sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

WHISKY E DESEJO

 (“É o que Gino Marzzone bebe. Scotch. Glenlivet.”)
























Existe um complemento perfeito para nossas sessões de home cinema: o whisky. A melhor bebida do mundo. Quem gosta sabe que não exagero.

Vivemos tempos em que a ditadura de dietas da moda nos priva de pequenos prazeres e até do convívio social. Pequenos prazeres como comer e beber bem. Acredito que com moderação, aliada a hábitos saudáveis e alimentação balanceada, não precisamos nos privar de nada. Podemos priorizar a satisfação e o prazer (com moderação, bem entendido) ao invés da obsessão neurótica pela saúde perfeita, que por sinal não existe.

Assim, me sinto à vontade para fazer a apologia desta bebida que podemos chamar de Néctar dos Deuses. O whisky, este líquido que aquece a garganta e preenche nosso paladar de evocações de tabernas, carvalho, malte e uma gama de notas sofisticadas e viris. Há momentos no nosso cotidiano em que o sabor deste bálsamo nos reapruma, reconforta, relaxa ou simplesmente valoriza alguma comemoração ou programa. Apreciar um bom whisky é um prazer indescritível!

Passei a me interessar por conhecer melhor esta nobre bebida. Encontrei um livro na Saraiva, certa vez: 100 WHISKIES DE SEMPRE. Folheava-o cada vez que ia lá mas não comprava. Esperava baixar o preço, o que nunca acontecia. Até que certa vez não o encontrei mais. Era o único exemplar! Perdi o livro!! Nem na internet encontrava! Esgotou-se!! Fiquei me enrolando, enrolando, e perdi o objeto do meu desejo! Mas não é que alguns meses depois, passeando em São Paulo, numa livraria dentro do Shopping JK, encontro o sonhado exemplar? O preço era bem salgado. Minha mulher teve que intervir ("Não deve estar esgotado! Este preço é muito caro!") e a contragosto não comprei, quando já estava a caminho do caixa. God!! Era minha chance!! Nunca mais! Mas a história não termina por aqui. Um mês depois, já em Porto Alegre, na Fnac...encontro o livro novamente! Por um quarto do valor em São Paulo. Não estou dizendo que as mulheres são mais espertas? Final feliz, hoje o sofrido exemplar enfeita minha sala de estar.

Existem outros bons livros sobre whiskies no mercado, alguns em inglês, mas este 100 Whiskies de Sempre traz matérias sobre as marcas mais conhecidas por nós, brasileiros. O original é espanhol, sendo esta versão em português lançada pela Editorial Estampa, de Lisboa.

Os whiskies dividem-se de maneira mais simples em: Single Malt (obtido através da cevada maltada e produzido por uma única destilaria); Single Grain ou whiskies de cereais (cevada mais a adição de algum outro tipo de cereal como milho, trigo ou centeio, uma destilaria); e o Blended (um ou mais Single Malts, com um ou mais Single Grains).

São basicamente os Blended que encontramos no nosso mercado importador. Meus favoritos são dois: THE FAMOUS GROUSE e o CUTTY SARK.

The Famous Grouse é um whisky saborosíssimo. De acordo com o livro “suaves e equilibrados, os maltes das Highlands imprimem-lhe uma certa corpulência, todavia temperada pelos whiskies de cereais que lhe conferem fluidez e leveza”. É o blended mais vendido na Escócia.

O Cutty Sark é outro excelente whisky. “Este é envelhecido em cascos que serviram anteriormente para xerez, e daí as leves notas de baunilha que é possível reconhecer na degustação." O Cutty Sark foi criado em 1923, na Escócia, para satisfazer o paladar do mercado americano, que prefere os scotchs mais ligeiros. Com o advento da Lei Seca, Francis Berry, um dos criadores da marca, continuou a fazer chegar clandestinamente, das Bahamas, grandes quantidades de whiskies ao solo americano, graças ao trabalho incansável do Capitão William McCoy. The real McCoy acabou virando uma expressão que autenticava a qualidade de um bom scotch. William McCoy transformou-se numa lenda, com seus carregamentos de rum e whisky, inovando com uma rede de barcos menores que encontravam seu navio fora das águas dos EUA e levavam os suprimentos para os speakeasis, os bares underground que serviam as bebidas ilegais. O Cutty Sark beneficiou-se dessa transgressão e ainda hoje, pela sua qualidade e história, é um scotch muito popular nos Estados Unidos. 

Sou obrigado a citar um terceiro whisky, o single malt THE GLENLIVET. “Harmonioso na boca, de corpo firme e simultaneamente aveludado, o single malt produzido na destilaria de Glenlivet oferece ao paladar aromas de mel e de frutos (pêssego)." É possível encontrá-lo nos free shops.

A razão de citá-lo neste post deve-se à sua qualidade excepcional e por ser um personagem decisivo em um excelente filme de suspense, LIGADAS PELO DESEJO (Bound). Primeiro filme dirigido pelos Irmãos Wachowski, de 1996, antes do sucesso de Matrix. Um policial noir envolvendo gangsters, bebidas e mulheres fatais. Duas garotas que se apaixonam, Violet (Jennifer Tilly) e Corky (Gina Gershon), planejam um golpe contra a máfia, para roubar US$ 2 milhões que estão com Ceasar (Joe Pantoliano), namorado de Violet. Em momento chave da trama, de acordo com o plano que elaboraram, Violet deve fingir que quebrou acidentalmente uma garrafa de Glenlivet, o único scotch que o chefão Gino Marzzone bebe. Assim, terá que sair do apartamento apressadamente para comprar outro Glenlivet, uma vez que Ceasar está esperando a chegada de Gino Marzzone para entregar-lhe o tal dinheiro. Esse artifício dará chance para Corky entrar escondida na residência, pela porta aberta por Violet e enquanto Ceasar está no banho, e roubar os milhões da maleta do capanga da máfia. Só que o plano não sai exatamente como esperado e Ceasar revela-se como o único adversário à altura da dupla de amantes golpistas. Um filme que se espalha por vários gêneros, sexy, inteligente, requintado, cheio de estilo, tensão, humor pontual, bela fotografia, e com suspense do início ao fim, Bound é um thriller de tirar o fôlego e um dos melhores a que já assisti.

Assistam a Bound acompanhados pelo seu whisky favorito. Bom divertimento.






quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

MURDER

(“Incrível como é fácil reconhecer duas pessoas apaixonadas.”)



 


Notamos na produção de Hollywood, há alguns anos, um excesso de refilmagens e sequências. Mas conseguimos nos lembrar de uma refilmagem tão boa quanto o original? Ou ainda, de qualquer uma que seja considerada um bom filme? Precisamos puxar pela memória. Mas uma das exceções certamente é digna de menção. UM CRIME PERFEITO (A Perfect Murder), de 1998, refilmagem de DISQUE M PARA MATAR (Dial M for Murder), de 1954, do mestre Alfred Hitchcock.

Ambos os filmes apresentam em seus créditos a peça na qual são baseados, Dial M for Murder, de Frederick Knott. No filme de Hitchcock, Knott é também o autor do roteiro. Hitchcock dizia que se você compra uma peça de sucesso não deve desenvolvê-la. Deve apenas filmá-la. Mas à maneira que ele faria, devemos acrescentar. Isso explica o formato da obra, uma peça teatral filmada, mas de maneira brilhante, com a câmera exatamente no lugar certo em cada momento da ação. Noventa por cento das tomadas foram no cenário de um apartamento, mas nem por isso é menos interessante ou com menos suspense. Pelo contrário. Embora esse filme não esteja entre os mais lembrados e valorizados de Hitchcock, como Psicose, Os Pássaros, Um Corpo que Cai, Janela Indiscreta, Festim Diabólico e Intriga Internacional, podemos dizer que Disque M Para Matar está no segundo bloco de grandes filmes do mestre, como Trama Diabólica, Frenesi, Rebecca, O Homem que Sabia Demais, Interlúdio, A Sombra de Uma Dúvida, O Homem Errado, entre outros.

Temos, em Disque M Para Matar e Um Crime Perfeito, um grande vilão, respectivamente Ray Milland e Michael Douglas; as belas esposas loiras em ótimas interpretações, frágeis e ao mesmo tempo feras quando acuadas, Grace Kelly e Gwyneth Paltrow; dois chefes de polícia, John Williams, ator inglês e um dos preferidos de Hitch, com maior participação na trama, e David Suchet; mais o amante e o assassino. No filme de Hitchcock o criminoso que sobrevive de golpes em  mulheres é Anthony Dawson e o namorado que completa o triângulo amoroso é Robert Cummings. Em Um Crime Perfeito, dirigido por Andrew Davis, Viggo Mortensen é uma combinação do amante e do assassino golpista. Tanto Ray Milland como Michael Douglas comentam em certo momento, acerca do casal infiel, com um ar de ameaça sutil e sarcasmo: "Incrível como é fácil reconhecer duas pessoas apaixonadas".   

Disque M Para Matar é um suspense ambientado em Londres, filmado com uma elegância própria do Reino Unido, com a classe dos principais atores comandando o espetáculo, principalmente Ray Milland e John Williams. Podemos destacar duas cenas, entre várias admiráveis: uma que entrou para a história do cinema; outra que ilustra a elegância do filme, ambas decisivas na estória.

A cena em que Grace Kelly está prestes a ser atacada, após Ray Milland discar “M for murder”, e depois debate-se por sua vida até encontrar a tesoura afiada, é antológica e de um suspense bem maior que a da refilmagem.

A outra cena destaca a classe do filme e o charme de uma época que já não existe, quando as pessoas convidavam os amigos para “tomar um drink lá em casa”. Ao final do filme, Ray Milland volta ao apartamento onde tudo acontece e consegue abrir a porta com a chave que estava escondida sob o tapete, na escada do prédio. Ao entrar, sua expressão de alívio, mas um tanto intrigada, é substituída pela surpresa ao encontrar, de um lado, Grace Kelly e o amante, e do outro, o inspetor de polícia atrás da escrivaninha. Dá meia volta e tenta fugir pela porta que entrou, mas um policial no corredor lhe barra a saída. Fica alguns segundos paralisado e se dá conta que não adianta mais, foi desmascarado, está tudo perdido. Recompõe-se e dirige-se ao inspetor: "Parabéns, inspetor", e coloca a chave, prova do crime, sobre a mesa. Pega a garrafa de scotch e, dirigindo-se ao bar, serve-se de uma dose de Red Label. Pergunta a Grace Kelly:
- Aceita, Margot?
- É, acho que um pouco me faria bem – responde ela com lágrimas discretas. 
- Mark?
- Pra mim também.
- Suponho que ainda esteja em horário de expediente, inspetor.
Este está ao telefone chamando os colegas policiais.
Assim termina o filme, com todos bebendo juntos.

Em Um Crime Perfeito, o diretor Andrew Davis optou por um outro conceito. A estória é desenvolvida como um policial noir, com uma bela fotografia em tons sépia. Um thriller clássico onde o suspense e a movimentação do roteiro nunca perdem o pique. Alguns o consideram melhor que o original, o que pode soar como uma heresia, afinal Disque M Para Matar é considerado uma obra-prima. O fato é que o filme de Andrew Davis, um dos melhores policiais da década de noventa, honra a versão de Hitchcock.

Todos os atores oferecem ótimas interpretações. Michael Douglas, carismático como sempre, principal figura do filme, faz um vilão calculista e maldoso, ao contrário de Ray Milland, também calculista mas um gentleman. Gwyneth Paltrow é a mocinha ingênua, que nessa versão, ao contrário de Grace Kelly, não tem um mocinho para defendê-la e precisa se virar sozinha. Viggo Mortensen é o amante golpista, que gosta realmente de Gwyneth, mas acaba cedendo à sua natureza criminosa. Os desdobramentos desse triângulo amoroso (envolvendo crimes) é cinema de qualidade.

Ambos os filmes nos proporcionam uma excelente sessão dupla sobre o tema assassinato. Sarita Choudhury, conversando com Gwyneth, nos explica essa natureza:
- Traição é a segunda razão mais antiga para se matar alguém.
- É mesmo? E qual seria a primeira?
- Money, honey.