domingo, 22 de maio de 2016

OS INOCENTES

(“Diga o nome dele, Miles! E tudo vai acabar.”)





“O maior espaço dramático, o maior suspense, está fora do quadro. Está naquilo que não vemos, apenas imaginamos.” Essas palavras de Ruy Guerra, grande cineasta brasileiro, são exatamente o conceito de OS INOCENTES (The Innocents), filme britânico de 1961, dirigido por Jack Clayton. Uma fita de horror vitoriano, um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, com grande interpretação da diva Deborah Kerr, a participação do escritor Truman Capote no roteiro e o talento do fotógrafo Freddie Francis.

Durante muito tempo considerei o filme mais assustador a que já havia assistido. Vi pela primeira vez quando tinha uns treze anos, numa pequena TV preto-e- branco em meu quarto, deitado na cama, de madrugada, com as luzes apagadas. Parecia interessante aquele filme que estava começando, com uma canção infantil de provocar arrepios sobreposta a uma tela preta, depois o logo da Fox, os créditos dividindo a tela com duas mãos rezando, aquela fotografia escura. Uma abertura esplêndida nos inserindo direto no clima do filme inteiro. O que vi na sequência não me deixou dormir direito por uma semana, tal a força com que aquelas imagens me marcaram (e me apavoraram).

Cresci, virei adulto, mas não tinha coragem de assistir ao filme novamente. A sensação de medo que ficara em minha lembrança não me abandonara. Somente depois de muitos anos criei coragem e assisti ao filme uma segunda vez, uma terceira, uma quarta. Ainda assim continuava impressionado, como até hoje.

Citando nosso grande crítico, Rubens Ewald Filho, dificilmente encontraremos um filme de terror “com tanto requinte de fotografia, de trilha musical, de uso de ruídos e de montagem tão bem cuidada. Mais que uma batalha entre o bem e o mal, o filme é a ilustração de um pesadelo sem fim”.

Bastante fiel ao livro no qual se baseou, A Volta do Parafuso, de Henry James, Os Inocentes conta uma história passada na época vitoriana, de uma governanta, Miss Giddens (Deborah Kerr), contratada para cuidar de duas crianças, Miles e Flora, que vivem com os empregados numa mansão no campo. A própria mansão e seus arredores é um personagem importante do filme, com seus cômodos, móveis, estátuas, torre, jardins, lago. “Um lugar bem grande e solitário”, conforme o tio delas, que contratou a nova governanta. Esse mora em Londres e não quer ser incomodado, portanto Miss Giddens deve resolver todos os problemas.

Logo ela descobrirá que as pessoas da casa, as crianças e os funcionários, parecem não ser as únicas presenças. A qualidade da produção, o talento do diretor, as excelentes interpretações, a expressiva fotografia em preto-e-branco e o clima sombrio e assustador nos envolvem com o mesmo medo que sente Miss Giddens, à medida que seus receios e suspeitas vão se confirmando. O comportamento de Miles e Flora dá indícios que alguma coisa estranha está acontecendo. Por trás da aparência inocente destas crianças paira uma ameaça maligna.

No livro de Henry James não fica claro se é tudo fruto da imaginação da governanta, uma mulher solteira da Inglaterra vitoriana, sexualmente reprimida, ou se as entidades sobrenaturais realmente existem. No filme esta dúvida não é tanta.

Esse componente de repressão sexual fica mais claro na cena em que Miles, uma criança realmente demoníaca, beija Miss Giddens na boca, e depois no clímax do filme, quando ela retribui o beijo. Cenas ousadas de desejo proibido, reprimido.

O sentimento de carência afetiva desta mulher solitária também é compartilhado pelas crianças órfãs, que vivem sob a indiferença do tutor, para quem o dinheiro basta em sua relação com os sobrinhos. Isso propiciou a aproximação de Miles e Flora com o casal de amantes falecidos, os antigos caseiro, Peter Quint, e governanta, Miss Jessel. A luta de Miss Giddens contra essa possessão demoníaca conduz o pavor que perpassa a tela o tempo inteiro.

Qual seria a intenção dessas aberrações, como dizia Miss Giddens? “A resposta deve estar no passado”, confabula ela com a Sra. Grose, a principal criada da casa. Intui que o romance doentio entre os antigos empregados, assim definido pela Sra. Grose, é a explicação para os fenômenos que estão ocorrendo. “Eles só podem ter um ao outro entrando na alma das crianças e as possuindo! As crianças estão possuídas. Elas vivem, sabem e partilham deste inferno”, prossegue a governanta em seu raciocínio.

O que ela poderia fazer? De que armas Deborah Kerr poderia se valer para enfrentar essas forças sinistras? Uma seria a fé. Outra, a mesma que Freud utilizava para exorcizar os demônios de seus pacientes: o poder da confissão. O reconhecimento tácito da ameaça. “Elas precisam confessar o que está ocorrendo. Uma palavra verdadeira destas crianças e podemos despachar aqueles diabos para sempre!” As palavras de Miss Giddens são ouvidas pela Sra. Grose, que não sabe se acredita em tudo aquilo.

Só sabemos que o pesadelo sem fim vai gelar nosso sangue em cada frame desse grande filme, assim como Deborah Kerr sabe o que terá de enfrentar para salvar as crianças.

domingo, 15 de maio de 2016

TERROR

("Beware of darkness.")





Certa vez, passeando pela Livraria Saraiva, reparei que os filmes de JESS FRANCO, cineasta cult espanhol, diretor de filmes de terror B, estavam em promoção por um preço bem abaixo do normal. Comprei sete.

Os filmes do subgênero terror B, acreditem, possuem seu público fiel. São filmes recheados de sexo, violência, atores sofríveis, produção barata, história simples, e nos atraem como ímã. Só os mistérios da mente para explicar. Puro divertimento. Legítimo guilty pleasure.

Muitos desses exemplares, no entanto, são cinema de qualidade. Jess Franco (ou Jesús Franco, seu nome verdadeiro), falecido em 2013, faz parte de uma linhagem de diretores que inclui o brasileiro José Mojica Marins (Zé do Caixão), os italianos Mario Bava e Dario Argento, os americanos George Romero, Wes Craven, John Carpenter, Sam Raimi e Rob Zombie, do ótimo Rejeitados pelo Diabo, entre outros profissionais. São cineastas que se consagraram dirigindo filmes de terror de baixo orçamento e alta criatividade.

As produções de Jess Franco são dignas desse grupo. Nunca descambam para o grotesco, para o jorro de sangue gratuito. Existe sempre um movimento elegante de câmera, certa poesia marginal, alguma discussão metafísica, algumas histórias interessantes, tudo misturado com os clichês do gênero, tornando seus filmes quase cultuados. Entre os mais de duzentos que dirigiu podemos citar Oásis dos Zumbis, As Amantes do Dr. Jekyll, A Virgem e os Mortos, A Maldição da Vampira, O Massacre das Barbys, entre outros.

Mas afinal, por que gostamos tanto de filmes de terror? Provavelmente pelo fascínio do misterioso e desconhecido; talvez pela identificação com o nosso dark side,  aquelas coisas que não ousamos pensar em voz alta; certamente por existir um forte elo entre terror, psicologia e sexo. Como resistir a tais apelos?

Impossível não se deixar seduzir por grandes filmes como O Iluminado, O Bebê de Rosemary, Os Inocentes, filme inglês de 1961, Os Pássaros e Psicose, de Hitchcock, O Exorcista, Drácula de Bram Stoker, os monstros da Universal (Frankenstein, A Noiva de Frankenstein, Drácula, O Lobisomem, O Monstro da Lagoa Negra, A Múmia, O Homem Invisível, O Fantasma da Ópera). Séries como American Horror Story (a melhor), The Walking Dead, True Blood. Os livros de Stephen King, Edgar Allan Poe, Henry James. Muitas opções para flertarmos com as trevas.

De Jess Franco a Alfred Hitchcock, os filmes de terror mexem com nosso imaginário, com nossos medos mais recônditos.

Como dizia George Harrison: Beware of darkness