domingo, 26 de junho de 2016

O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS

(“E ela estava totalmente nua. E eu pensei...eu pensei que me amasse.”)





A parceria entre Don Siegel, diretor, e Clint Eastwood, ator, rendeu vários filmes antológicos, como Dirty Harry, Fuga de Alcatraz e Os Abutres Têm Fome, mas o melhor deles é um filme pouco conhecido do público brasileiro, O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (The Beguiled), de 1971.

Um conto gótico ambientado durante a Guerra de Secessão americana, com Clint Eastwood fazendo o papel de um soldado ianque ferido, descoberto no mato por uma garotinha que o leva para ser socorrido numa escola de mulheres sulistas. Vivem na escola a diretora (a veterana e ótima Geraldine Page), uma professora (Elizabeth Hartman), a criada escrava e as alunas (a menina de doze anos e outras cinco adolescentes, inclusive a sensual Jo Ann Harris). O soldado inimigo fica aos cuidados do mulherio e não imagina o que acontecerá no desdobramento da sua relação densa com essas que lhe abrigam.

O Estranho Que Nós Amamos é um dos filmes que coloco num subgênero criado em minha cabeça doentia: os filmes sobre “perversidade feminina”. Outros exemplares seriam Amar Foi Minha Ruína, Lua de Fel e Louca Obsessão. Apesar dos protestos de minha mulher e amigos, cá entre nós, não consigo descartar meu subgênero. “Não se matam pardais com canhões”, diz uma máxima do Direito. No caso das mulheres desses filmes, a vingança é desproporcional ao dano sofrido. Não querem saber de deixar o pardal escapar ileso. Se preciso usariam uma bomba H.

Curiosamente, quando o soldado chega à escola, uma imagem de um corvo com a perna amarrada ao parapeito da sacada e não podendo voar é uma alegoria à situação do estranho. Ao sair, não vou dizer de que maneira, o corvo reproduz a circunstância do cabo ianque.

O fato é que Clint aventurou-se num jogo perigoso, tratando-se de mulheres. Para garantir sua segurança em meio ao território hostil, com uma perna quebrada e debilitado, investe na sedução de cada mulher entre as líderes do internato, o que vai lhe custar caro, ao mesmo tempo que sua presença instaura o caos num ambiente feminino fechado e oprimido pela guerra, onde se sente o desejo latejando como uma bomba relógio. Da mais jovem à mais velha, nenhuma daquelas mulheres, que passam a competir entre si, fica indiferente à presença do belo soldado inimigo.

Um conto sombrio, assustador e sem concessões sobre quão longe pode chegar um desejo não correspondido, num cenário sob ameaça em que tal expectativa é a única esperança.

Obra marcante da dupla Siegel e Eastwood, O Estranho Que Nós Amamos tem seu lugar garantido no patamar dos grandes momentos do cinema psicológico.