(“E ela estava totalmente nua. E eu pensei...eu pensei que me amasse.”)
A
parceria entre Don Siegel, diretor, e Clint Eastwood, ator, rendeu vários
filmes antológicos, como Dirty Harry, Fuga de Alcatraz e Os Abutres Têm
Fome, mas o melhor deles é um filme pouco conhecido do público brasileiro, O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (The Beguiled),
de 1971.
Um
conto gótico ambientado durante a Guerra de Secessão americana, com Clint
Eastwood fazendo o papel de um soldado ianque ferido, descoberto no mato por
uma garotinha que o leva para ser socorrido numa escola de mulheres sulistas.
Vivem na escola a diretora (a veterana e ótima Geraldine Page), uma professora (Elizabeth Hartman), a criada escrava e as alunas (a menina de doze anos e outras
cinco adolescentes, inclusive a sensual Jo Ann Harris). O soldado inimigo fica
aos cuidados do mulherio e não imagina o que acontecerá no desdobramento da sua
relação densa com essas que lhe abrigam.
O
Estranho Que Nós Amamos é um dos filmes que coloco num subgênero criado em
minha cabeça doentia: os filmes sobre “perversidade feminina”. Outros exemplares
seriam Amar Foi Minha Ruína, Lua de Fel e Louca Obsessão. Apesar dos
protestos de minha mulher e amigos, cá entre nós, não consigo descartar meu
subgênero. “Não se matam pardais com canhões”, diz uma máxima do Direito. No
caso das mulheres desses filmes, a vingança é desproporcional ao dano sofrido.
Não querem saber de deixar o pardal escapar ileso. Se preciso usariam uma bomba
H.
Curiosamente,
quando o soldado chega à escola, uma imagem de um corvo com a perna amarrada ao
parapeito da sacada e não podendo voar é uma alegoria à situação do estranho.
Ao sair, não vou dizer de que maneira, o corvo reproduz a circunstância do cabo
ianque.
O
fato é que Clint aventurou-se num jogo perigoso, tratando-se de mulheres. Para
garantir sua segurança em meio ao território hostil, com uma perna quebrada e
debilitado, investe na sedução de cada mulher entre as líderes do internato, o
que vai lhe custar caro, ao mesmo tempo que sua presença instaura o caos num
ambiente feminino fechado e oprimido pela guerra, onde se sente o desejo
latejando como uma bomba relógio. Da mais jovem à mais velha, nenhuma daquelas
mulheres, que passam a competir entre si, fica indiferente à presença do belo
soldado inimigo.
Um
conto sombrio, assustador e sem concessões sobre quão longe pode chegar um
desejo não correspondido, num cenário sob ameaça em que tal expectativa é a
única esperança.
Obra
marcante da dupla Siegel e Eastwood, O Estranho Que Nós Amamos tem seu lugar
garantido no patamar dos grandes momentos do cinema psicológico.