domingo, 13 de outubro de 2019

66 FILMES PARA VER DEPOIS DE MORRER

(Pequena lista afetiva, em ordem cronológica)





1. O GABINETE DO DR. CALIGARI, de Robert Wiene, 1920.
Marco do Expressionismo Alemão.

2. NOSFERATU, de F. W. Murnau, 1922.
O vampiro mais aterrorizante da história do cinema.

3. FRANKENSTEIN, de James Whale, 1931.
A principal referência entre tantas versões do romance de Mary Shelley.

4.
 MONSTROS, de Tod Browning, 1932.
Apesar da polêmica por utilizar deficientes físicos como atores, Freaks ganhou destaque como filme de terror e conteúdo social.

5. KING KONG, de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933.
     Ainda hoje, no gênero aventura exótica e monstro, no campo da nossa memória afetiva, não há nada que supere o velho King Kong e suas cenas antológicas.

6.
 O HOMEM INVISÍVEL, de James Whale, 1933.
Melhor versão do romance de H. G. Wells, com ótimos efeitos especiais. 

7. SANGUE DE PANTERA, de Jacques Tourneur, 1942.

     Primeiro Cat People, charmoso, sombrio e irresistível.

8. 
 DIAS DE IRA, de Carl Theodor Dreyer, 1943.
 Obra-prima do grande diretor dinamarquês Carl Theodor Dreyer sobre caça às bruxas. Estética apuradíssima desvendando a alma dos personagens. 

9.
 O SOLAR DAS ALMAS PERDIDAS, de Lewis Allen, 1944.
Ótimo filme e um verdadeiro compêndio de fenômenos espíritas. 

10.
 O MONSTRO DA LAGOA NEGRA, de Jack Arnold, 1954.
Em plena selva amazônica nos deleitamos com a cena de nado sincronizado mais icônica do cinema. Filme que inspirou A Forma da Água, de Guillermo del Toro. 

11.
 O MENSAGEIRO DO DIABO, de Charles Laughton, 1955.
Duas crianças perseguidas por um assassino frio e dissimulado. Pode-se imaginar algo mais assustador? 

12.
 VAMPIROS DE ALMAS, de Don Siegel, 1956.
Superclássico. Paranoia coletiva como alegoria política. 

13. A CASA DOS MAUS ESPÍRITOS, de William Castle, 1959.
Vincent Price e um jogo muito peculiar.

14. A PEQUENA LOJA DOS HORRORES, de Roger Corman, 1960.
O mestre Roger Corman e Jack Nicholson numa genial comédia de humor negro.

15. PSICOSE, de Alfred Hitchcock, 1960.
Obra-prima. Psicologia, suspense, edição, trilha sonora, etc. (evite chuveiros com cortinas em motéis de beira de estrada).

16. OS INOCENTES, de Jack Clayton, 1961.
      Filme de extrema qualidade. O mais aterrorizante que já vi. Versão do romance A Volta do Parafuso, de Henry James.

17. O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?, de Robert Aldrich, 1962.
Bette Davis versus Joan Crawford num grande momento do terror psicológico.

18. AS TRÊS MÁSCARAS DA MORTE, de Mario Bava, 1963.

      Um dos principais filmes de Mario Bava, mestre do suspense e terror italianos.

19. OS PÁSSAROS, de Alfred Hitchcock, 1963.

      O melhor filme de monstros (estes pequenos seres alados).

20. À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA, de José Mojica Marins, 1964.

      Zé do Caixão em grande forma, em alopração impressionante.

21. O SEGUNDO ROSTO, de John Frankenheimer, 1966.

      Melhor filme de dupla identidade. Impressionante crítica social.

22. A DANÇA DOS VAMPIROS, de Roman Polanski, 1967.
Melhor comédia de terror.

23. A NOITE DOS MORTOS-VIVOS, de George Romero, 1968.
Praticamente o marco inicial dos filmes de zumbis. E ainda hoje o melhor.

24. O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, 1968.
Um dos melhores filmes de terror de todos os tempos. Grande momento de Polanski. De gelar a espinha. Insegurança, impotência, suspeitas, medo, pavor.

25. MARQUÊS DE SADE: JUSTINE, de Jess Franco, 1969.
Jess Franco e sua interpretação peculiar do Marquês de Sade.

26. A CASA DA NOITE ETERNA, de John Hough, 1973.
Ótimo terror inglês. Assustador, inteligente e sempre tenso. O ataque do gato preto é uma cena antológica do filme.

27. INVERNO DE SANGUE EM VENEZA, de Nicolas Roeg, 1973.
Sombrio, misterioso, melancólico e belo.

28. O EXORCISTA, de William Friedkin, 1973.

      Referência entre os maiores clássicos de terror, foi um dos primeiros a explorar a possessão demoníaca no cinema. Ainda hoje aterrorizante.

29. O HOMEM DE PALHA, de Robin Hardy, 1973.
Brega, sensual, perverso e irresistível.

30. PICNIC NA MONTANHA MISTERIOSA, de Peter Weir, 1975.
Clássico australiano. Bela fotografia emoldurando um filme elegante e misterioso.

31. TUBARÃO, de Steven Spielberg, 1975.
Marco dos filmes de ataques de monstros. Cinema puro.

32. CARRIE, A ESTRANHA, de Brian De Palma, 1976.
Genial adaptação da obra de Stephen King sobre o rito de passagem da adolescência. Existe alguma fase da vida mais aterradora?

33. SUSPIRIA, de Dario Argento, 1977.
Assassinatos e criatividade.

34. A VINGANÇA DE JENNIFER, de Meir Zarchi, 1978.
Violência e feminismo. Não conseguimos desviar o olhar. Rendeu várias refilmagens.

35. O DESPERTAR DOS MORTOS, de George Romero, 1978.
Zumbis versus sociedade de consumo. Masterpiece.

36. O ILUMINADO, de Stanley Kubrick, 1980.
A ópera do terror orquestrada pelo gênio de Stanley Kubrick.

37. VESTIDA PARA MATAR, de Brian De Palma, 1980.
Brilhante releitura de Psicose.

38. A MORTE DO DEMÔNIO, de Sam Raimi, 1981.
Criatividade, inovações técnicas e ameaças demoníacas. Suspense e terror em alta tensão.

39. GRITO DE HORROR, de Joe Dante, 1981.
Lobisomens, sátira social e maquiagem impressionante. Junto com Um Lobisomem Americano em Londres, de John Landis, do mesmo ano, estabeleceram um novo parâmetro para os filmes com as criaturas da lua cheia.

40. A MARCA DA PANTERA, de Paul Schrader, 1982.
Refilmagem do primeiro Cat People. Interessante, cheio de estilo e com Nastassja Kinski no auge da beleza.

41. O ENIGMA DE OUTRO MUNDO, de John Carpenter, 1982.
Antártida, claustrofobia e paranoia. Grande filme.

42. FORÇA SINISTRA, de Tobe Hooper, 1985.
Ficção científica, vampiros alienígenas e a beleza mortal de Mathilda May ameaçando o planeta. Cult movie.

43. CORAÇÃO SATÂNICO, de Alan Parker, 1987.
Robert De Niro diabólico, Mickey Rourke em seu auge, feitiçaria e assassinato em New Orleans. Imperdível.

44. ELES VIVEM, de John Carpenter, 1988.
A ideologia desmascarada. Brilhante.

45. DRÁCULA DE BRAM STOKER, de Francis Ford Coppola, 1992.
Drácula em superprodução. A versão mais fiel ao livro e a mais fascinante.

46. UMA SIMPLES FORMALIDADE, de Giuseppe Tornatore, 1994.
Giuseppe Tornatore, Roman Polanski, Gérard Depardieu e um estranho interrogatório. Precisa mais?

47. SEVEN, de David Fincher, 1995.
Sombrio e perturbador. Os sete pecados capitais e a caçada a uma mente tão macabra quanto perversa.

48. PÂNICO, de Wes Craven, 1996.
Genial sátira e autocitação do gênero.

49. ADVOGADO DO DIABO, de Taylor Hackford, 1997.
Vaidade e a interpretação mais demoníaca do cinema.

50. O SEXTO SENTIDO, de M. Night Shyamalan, 1999.
Redefiniu o gênero. "I see dead people."

51. ECLIPSE MORTAL, de David Twohy, 2000.
Vin Diesel contra criaturas carnívoras num planeta inabitado. Ótimo filme. Suspense em alta tensão.

52. OS OUTROS, de Alejandro Amenábar, 2001.
Belo conto fantástico, assustador e misterioso, sobre mulher (Nicole Kidman) e dois filhos vivendo numa mansão isolada no final da Segunda Guerra. Final surpreendente.

53. RESIDENT EVIL (1 ao 6), de Paul W. S. Anderson e outros, 2002/16.
Guilty pleasure. E Milla Jovovich.

54. ANJOS DA NOITE (1 ao 5), de Len Wiseman e outros, 2003/17.
Guilty pleasure. E Kate Beckinsale.

55. JOGOS MORTAIS, de James Wan, 2004.
Baixo orçamento. Perversidade. Suspense psicológico. Roteiro e direção brilhantes. Marco do subgênero slasher.

56. A CHAVE MESTRA, de Iain Softley, 2005.
Arrepiante. Kate Hudson envolvida numa estória de possessão, New Orleans e magia negra. Terror e diversão garantidos.

57. REJEITADOS PELO DIABO, de Rob Zombie, 2005.
Uma trupe de maníacos ensandecida e sanguinária.

58. 30 DIAS DE NOITE, de David Slade, 2007.
Terror baseado em quadrinhos. Um Alasca sufocado por vampiros durante trinta dias de desespero.

59. ATIVIDADE PARANORMAL, de Oren Peli, 2007.
Falso documentário. Falso realismo. Mas não falso medo.

60. EU SOU A LENDA, de Francis Lawrence, 2007.
Will Smith em ótimo filme de ação e suspense. Pós-apocalipse e zumbis. Quase sem diálogos.

61. CISNE NEGRO, de Darren Aronofsky, 2010.
O aterrorizante mundo do ballet clássico.

62. MELANCOLIA, de Lars von Trier, 2011.
O melhor filme de fim do mundo.

63. SOB A PELE, de Jonathan Glazer, 2013.
Scarlett Johansson deslumbrante e letal. Fábula existencial sobre alienígena.

64. A BRUXA, de Roger Eggers, 2015.
Filme norte-americano produzido por brasileiros. No século XVII, colonos expulsos de sua comunidade na Nova Inglaterra, EUA, enfrentam ameaça sombria. Apavorante. Ótimo drama fantástico.

65. CORRA!, de Jordan Peele, 2017.
Possessão e crítica social. O terror engajado na luta de classes e no front contra os preconceitos raciais.

66. MÃE!, de Darren Aronofsky, 2017.
Terror e referências bíblicas. O filme mais instigante e desnorteante que já assombrou uma tela de cinema.






terça-feira, 24 de setembro de 2019

NETTO PERDE SUA ALMA

(“Nós lutávamos por ideias.”)





Desde os pioneiros Mário Peixoto e Humberto Mauro, passando pelo tempo das produções do Estúdio Vera Cruz, na década de 50, o período do Cinema Novo, nas décadas de 60 e 70, e a fase dos grandes diretores como Glauber Rocha, Nélson Pereira dos Santos, Rogério Sganzerla e Walter Hugo Khouri, o cinema brasileiro sempre foi um polo interessante no hemisfério sul. Enfrentou dificuldades no Governo Collor mas recuperou-se e ressurgiu com títulos de destaque internacional como O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro?, Central do Brasil, Cidade de Deus e Tropa de Elite. Nos últimos anos apresentou obras-primas como Rasga Coração, de Jorge Furtado, Nise - O Coração da Loucura, de Roberto Berliner, Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, Aquarius e Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, entre outras.

O cinema gaúcho, em particular, que se destacou no formato super-8 e depois marcou presença no longa, viveu um grande momento no lançamento de NETTO PERDE SUA ALMA, de Beto Souza e Tabajara Ruas, em 2001.

Na época, assisti ao filme no Guion Center, cinema com programação diferenciada no Centro Comercial Olaria, um pequeno shopping a céu aberto em Porto Alegre. Na saída, eu e minha esposa encontramos Beto Souza (somos amigos desde o tempo da faculdade de Arquitetura) num bar dentro do mesmo shopping e conversamos sobre o filme. Sem dúvida, foi uma experiência inusitada em minha vida. Na saída de uma sessão de cinema, encontrar e discutir o filme com o próprio diretor!

Conforme Beto havia me explicado, Tabajara Ruas, o autor do romance histórico que inspirou o filme, foi responsável pela direção dos atores, enquanto o próprio Beto Souza se responsabilizou pelo processo de filmagem propriamente dito.

As premiações conquistadas pelo longa são atestados de sua qualidade: Melhor Filme – Júri Popular, Melhor Montagem (Ligia Walper), Melhor Trilha Sonora (Celau Moreira) e Prêmio Especial do Júri no Festival de Gramado; Melhor Roteiro (Tabajara Ruas, Rogério Ferrari, Ligia Walper, Fernando Marés e Beto Souza), Melhor Direção de Arte (Adriana Nascimento Borba), Melhor Ator Coadjuvante (Sirmar Antunes) e Prêmio Especial do Júri no Festival de Recife; Melhor Ator (Werner Schünemann) e Melhor Direção de Arte no Festival de Brasília; Melhor Fotografia (Roberto Henkin) no Festival de Cinema de Huelva / Espanha; Melhor Filme – Diretor Estreante no Festival de Cinema de Trieste / Itália; e indicações para Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado no Grande Prêmio Cinema Brasil.

Épico gaúcho, e ao mesmo tempo um drama intimista, Netto Perde Sua Alma conta as recordações e angústias do general Antônio de Sousa Netto (Werner Schünemann), em recuperação num hospital em Corrientes, Argentina, sobre sua participação na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai, e seu romance com a bela estancieira Maria Escayola (a atriz uruguaia Laura Schneider), durante seu autoexílio em Piedra Sola, no Uruguai. Concomitante com as lembranças provocadas pela visita do amigo sargento Caldeira (Sirmar Antunes), ex-escravo e companheiro de batalhas, o oficial enfermo precisa lidar com eventos sinistros no próprio hospital, que exigirão dele uma postura radical coerente com seus princípios. Netto encarna o herói clássico, mas não isento de contradições.

Netto não só é um dos melhores filmes gaúchos, como também um dos principais filmes brasileiros sobre conflitos históricos e pessoais. E o conflito racial é abordado pela figura do jovem personagem Milonga (Anderson Simões), alistado no Corpo de Lanceiros Negros, posteriormente julgando-se traído pelos ideais em que acreditava.

Além da narrativa clássica de fundo histórico, sempre um prazer quando a serviço de uma boa estória, o fascínio do épico gaúcho vem de uma inspirada produção como um todo. Direção, roteiro, interpretações, direção de arte, figurino, montagem, fotografia, música. Tudo é desenvolvido com rara competência e entrosamento. E sobretudo a força das imagens criativas, expressivas e alegóricas.

Assim como David Lean filmou o deserto em Lawrence da Arábia, Beto registrou as paisagens e fauna gaúchas com apurado requinte técnico, como metáfora para o sonho de Netto, aquelas extensas pradarias que poderiam vir a ser um novo país, uma democracia, em alternância com as cenas intimistas e em contraste com o clima sombrio e amargo das recordações no hospital de Corrientes.

Netto Perde Sua Alma não deixa também de ser um western. Uma cena em particular lembra Sergio Leone: o duelo no córrego entre Netto e o capitão Teixeira contra os quatro ladrões de cavalos.

Duelos são representações e sínteses de conflitos. Em Netto, os conflitos são a própria essência do filme. São sociais e pessoais. Vingança, traição, frustração, revolta, idealismo, impotência, ingenuidade. Para dar vida ao general Netto, um personagem no centro desse turbilhão, o carisma de Werner Schünemann foi fundamental. Num dos bons momentos do filme (que são muitos) ele conversa com o sargento Caldeira no hospital à noite, numa cena tão sombria quanto as almas desiludidas daqueles homens: “Nós lutávamos por ideias”, conta o general referindo-se à Revolução Farroupilha. Quanto à Guerra do Paraguai, “atrai mercenários vindos de toda parte, pagos a peso de ouro. Agora se luta por ouro, sargento!”

Netto é atormentado por seus demônios. No cenário da igreja e imediações em Triunfo, após a derrota farroupilha (o recurso da bandeira que se transforma em farrapos é uma metáfora interessante), durante uma das principais cenas cujo desfecho vai sendo apresentado à medida que se alternam as figuras de Milonga e Netto, o general argumenta com um colega de armas porque está se retirando para o Uruguai ao invés de continuar atuando politicamente: “Nas conversas pelo acordo de paz, todos os meus pontos de vista foram vencidos. [...] O que me corrói é o destino dos negros que lutaram pelos republicanos. Só eles perderam.” Milonga também pensava assim.

Em meio ao sangue, dor e sentimento de fracasso, há espaço para o lirismo do romance entre Netto e a senhorita Maria nos verdes campos do Uruguai. Que a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai iria interromper.

A última cena, poética e soturna, é o desfecho brilhante condizente com o padrão elevado de criatividade e qualidade de toda a produção. Uma cena “bergmaniana”, conforme o crítico Luiz Carlos Merten. À beira de um rio denso emoldurado pela noite e névoa, Netto despede-se do amigo Caldeira: “Toda essa gente que eu matei, sargento, me dá um peso enorme no coração.” Com a aproximação do barqueiro sinistro, uma sombra singrando as águas escuras do mistério, sua canoa deslizando lentamente, o general completa: “Essa travessia a gente deve fazer sozinho mesmo”. Tranquiliza a figura lúgubre: “Não se assuste que eu não vou fugir.” Netto despede-se ao som da música sóbria e delicada de Celau Moreira com a mesma nobreza com que amou, lutou por seus ideais e confrontou seus dilemas.  A mesma nobreza que caracteriza o filme. Uma nobreza que, pode-se dizer, vem da tradição literária e cultural gaudéria.

Beto e Tabajara, militantes na cena cinematográfica gaúcha, coautores na mesma aventura, conquistaram um mérito indiscutível: a composição de um clássico nacional fincado em raízes regionais e capaz de extrapolar fronteiras.