sábado, 21 de novembro de 2015

AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD

(“Estranho? Por eu ter compaixão pelos desamparados?”)

(“Não. É estranho por querer fazer algo a respeito.”) 

                                                    
                                                          
                                                       


AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD, de 1938, com Errol Flynn e Olivia de Havilland, do mesmo diretor de Casablanca, Michael Curtiz, traz aspectos muito interessantes. 

Como a questão da tributação. No tempo de Robin Hood, na Idade Média, o povo sofria com impostos exorbitantes, chegava a passar fome, era maltratado e explorado. Robin Hood tirava dos ricos para dar aos pobres. Já nos dias de hoje, em nossos estados capitalistas contemporâneos, com a concentração de renda cada vez maior, muitas vezes temos a impressão que a tributação tira dos pobres para dar aos ricos (onde está o imposto progressivo sobre o capital?). Vivemos numa sociedade global cujos índices de concentração da riqueza aproximam-se cada vez mais de padrões antigos e medievais. Qualquer semelhança dos dias de hoje com a época de nosso herói parece não ser mera coincidência.

Outro aspecto é a luta contra a desigualdade e opressão. A mitologia de Robin Hood nasceu de antigas lendas reproduzidas oralmente. Em todas existe uma recorrência sobre a dupla faceta do personagem, ambas retratadas no filme: o justiceiro social que redistribuía a renda à margem da lei e o revolucionário empenhado em restabelecer a legitimidade do poder. Robin e seu bando lutavam para que o monarca justo e legítimo, Ricardo Coração de Leão, preso no exterior, recuperasse o trono usurpado pelo seu irmão, o tirano Príncipe João.

É esta versão para o cinema de 1938, baseada no fundamental das lendas antigas e criando sobre esse fundo, que praticamente definiu e fixou os paradigmas e referências que passaram a ser utilizados em quase todas as inúmeras versões que o cinema e a TV produziram sobre o personagem: a cena inicial da caçada ilegal, a luta com João Pequeno e o encontro com Frei Tuck, a destreza do herói com o arco e flecha, a emboscada disfarçada de torneio para arqueiros, o plano para salvar Robin, o romance com Lady Marian, o figurino colorido e o ritmo de aventura, principalmente, marcando a alta voltagem do entretenimento.

Até mesmo a trilogia original de Star Wars recebeu influências desse clássico. O ataque do bando de Robin às tropas do vilão Sir Guy de Gisbourne, na floresta de Sherwood, e o duelo final de espadas entre o herói e o mesmo Sir Guy encontram similitudes no ataque dos Ewoks aos Stormtroopers, em O Retorno do Jedi, e no duelo final de sabres de luz entre Darth Vader e Luke Skywalker. 

Apesar de ser um filme sem os efeitos especiais de hoje, com outra estética, As Aventuras de Robin Hood ainda é um divertimento muito legal. Uma das maiores lendas sobre ideários de justiça, o herói fora da lei está muito bem representado nesse belo exemplar dos clássicos de aventura, com aquele sabor juvenil que quase não encontramos mais.








domingo, 8 de novembro de 2015

MATCH POINT

(“O homem que disse prefiro ter sorte a ser bom entendeu o significado da vida.”)

                                        
                                           


MATCH POINT (2005) permanece como uma das obras-primas de Woody Allen no século atual. Com esse filme ele executou um dueto Crime e Castigo, composto com Crimes e Pecados, de 1989.

Alem de Dostoiévski, Match Point também recebeu influências do clássico Um Lugar ao Sol, de George Stevens, e de Mulheres Diabólicas, de Claude Chabrol, ambos os filmes sobre diferenças sociais.

Em Crime e Castigo, romance de Dostoiévski, o personagem Raskólnikov, assassino que com seu crime planejava alguma coisa maior em prol da sociedade, é preso e sofre o castigo da lei. Os personagens de Woody Allen, ao contrário, saem ilesos. No filme Crimes e Pecados o responsável pela impunidade é o “Universo indiferente”; em Match Point é o acaso. Em comum entre as três obras um crime violento, as implicações existenciais e morais e o sentimento da culpa e seus desdobramentos.

Em Match Point, Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), assim como Raskólnikov, queria fazer alguma coisa importante em sua vida. “Contribuir”, como ele dizia. A motivação do seu crime, no entanto, acaba se dando pela mesma razão de Judah Rosenthal, de Crimes e Pecados: queriam apenas a manutenção de seus privilégios conquistados de uma maneira ou de outra.

Woody Allen frisa sua releitura de Dostoiévski. Numa cena em que Chris está lendo em seu quarto, o livro é o próprio Crime e Castigo. Noutro momento, quando seu cunhado se dirige ao pai, este faz menção a uma conversa com o próprio Chris sobre...Dostoiévski. Mas não é apenas o grande escritor russo que o diretor homenageia em seu filme. Quando os dois casais de protagonistas se encontram para ir ao cinema, o filme que está em cartaz numa das salas de Londres é Diários de Motocicleta, do brasileiro Walter Salles, sobre o famoso ídolo libertário Che Guevara.

Match Point é uma fita curiosa em comparação com a filmografia de Allen. Nessa obra, ele é “apenas” o diretor e roteirista. Não trabalha como ator. Em outros filmes semelhantes nesse aspecto quase sempre existe um personagem, ou a combinação de mais de um, que é o alter ego do diretor. Não é o caso desse drama.

O personagem principal é mais Raskólnikov que Woody Allen. Chris Wilton reconhece que acabou se acostumando a um determinado sistema de vida. Acomodou-se com a escalada social, dinheiro, segurança e esqueceu algum objetivo mais nobre. Como professor de tênis tornou-se amigo de Tom Hewett (Mathew Goode) e casou-se com sua irmã Chloe (Emily Mortimer), filhos de rica família londrina. Conseguiu um cargo importante na empresa do sogro. Seu futuro está assegurado. Pelo menos até que o affair com Nola Rice, a exuberante Scarlett Johansson, uma paixão avassaladora, não ponha tudo a perder.

A sequência dos assassinatos ao som de Otello, de Verdi, talvez seja a cena mais poderosa da carreira de Woody Allen. Uma recriação de Crime e Castigo, agora transposta para a Londres contemporânea, onde o personagem de Match Point é protagonista de uma composição cinematográfica refinada e impactante, transmitindo toda a carga dramática da ação e reação que envolve seu ato.

Diferente de Judah, Raskólnikov e Chris encontram um adversário à altura pela frente. Um inspetor de polícia com a mesma inteligência que fica a um passo de desmascarar toda a verdade. Principalmente no romance de Dostoiévski, desenrola-se um elaborado jogo de caçador e caça que se desenvolve na segunda metade do livro, servindo de inspiração para muitos filmes policiais que o cinema viria a produzir. Felizmente para os protagonistas, considerando as três obras relacionadas, o crime é atribuído a um terceiro, um marginalizado sem esperança. Raskólnikov acaba se entregando, corroído pela culpa; já os personagens de Woody Allen...

Outra cena recorrente na obra alleniana é o confronto do personagem com seus fantasmas. Em Match Point, quando Chris interage com a visão de suas vítimas, há momentos de interseção com Crime e Castigo: “Às vezes, os inocentes morrem para se atingir um objetivo maior." E com Crimes e Pecados: “Aprende-se a esconder a culpa sob o tapete e a seguir em frente. É preciso. Senão, ela soterra você.” “Seria bem apropriado se eu fosse preso e punido. Pelo menos seria um pequeno sinal de justiça. Uma pequena medida de esperança da possibilidade de sentido.”

Em sua reinterpretação de Crime e Castigo, Woody Allen acrescenta mais um elemento: o acaso ou sorte. O filme abre com uma bolinha de tênis sobrevoando a rede de um lado a outro da quadra. “Há momentos no jogo em que a bola bate no topo da rede e por um segundo ela pode ir para o outro lado ou voltar. Com sorte, ela cai do outro lado e você ganha. Ou talvez não caia e você perca.” Assim se decide a vida de Chris. Em vez de uma bolinha, um anel. No lugar da rede uma mureta separando o Tâmisa da calçada. O arremesso é feito. Match point ou derrota. Liberdade ou condenação. O imponderável decidindo nosso destino.

Considerado por muitos como o melhor filme de Woody Allen, inclusive pelo próprio autor, Match Point é uma das mais importantes produções neste início de século XXI. A ambientação londrina, a profundidade dos personagens, jovens e atraentes, as boas atuações, a bela fotografia, a trilha sonora composta por trechos de óperas, o roteiro brilhante e a direção inspirada de Woody Allen criam uma experiência cinematográfica que nos prende desde o início e fazem dessa obra uma peça a ser exibida com destaque nas nossas prateleiras de DVDs.