(“O homem que disse prefiro ter sorte a ser bom entendeu o significado da vida.”)
MATCH POINT (2005) permanece como uma das obras-primas de Woody Allen no século atual. Com esse
filme ele executou um dueto Crime e Castigo, composto com Crimes
e Pecados, de 1989.
Alem de Dostoiévski, Match Point também recebeu influências do clássico Um Lugar ao Sol, de George Stevens, e de Mulheres Diabólicas, de Claude Chabrol, ambos os filmes sobre diferenças sociais.
Alem de Dostoiévski, Match Point também recebeu influências do clássico Um Lugar ao Sol, de George Stevens, e de Mulheres Diabólicas, de Claude Chabrol, ambos os filmes sobre diferenças sociais.
Em Crime e Castigo, romance de Dostoiévski, o personagem Raskólnikov, assassino
que com seu crime planejava alguma coisa maior em prol da sociedade, é preso e
sofre o castigo da lei. Os personagens de Woody Allen, ao contrário, saem ilesos. No filme Crimes e Pecados o responsável pela impunidade é o “Universo indiferente”; em Match Point é o acaso. Em comum entre as três obras um crime violento, as implicações
existenciais e morais e o sentimento da culpa e seus desdobramentos.
Em
Match Point, Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), assim como Raskólnikov,
queria fazer alguma coisa importante em sua vida. “Contribuir”, como ele dizia.
A motivação do seu crime, no entanto, acaba se dando pela mesma razão de Judah
Rosenthal, de Crimes e Pecados: queriam apenas a manutenção de seus
privilégios conquistados de uma maneira ou de outra.
Woody
Allen frisa sua releitura de Dostoiévski. Numa cena em que Chris está lendo em
seu quarto, o livro é o próprio Crime e Castigo. Noutro momento, quando seu
cunhado se dirige ao pai, este faz menção a uma conversa com o próprio Chris
sobre...Dostoiévski. Mas não é apenas o grande escritor russo que o diretor
homenageia em seu filme. Quando os dois casais de protagonistas se encontram
para ir ao cinema, o filme que está em cartaz numa das salas de Londres é Diários de Motocicleta, do brasileiro Walter Salles, sobre o famoso ídolo
libertário Che Guevara.
Match
Point é uma fita curiosa em comparação com a filmografia de Allen. Nessa obra,
ele é “apenas” o diretor e roteirista. Não trabalha como ator. Em outros filmes
semelhantes nesse aspecto quase sempre existe um personagem, ou a combinação de
mais de um, que é o alter ego do diretor. Não é o caso desse drama.
O
personagem principal é mais Raskólnikov que Woody Allen. Chris Wilton reconhece
que acabou se acostumando a um determinado sistema de vida. Acomodou-se com a
escalada social, dinheiro, segurança e esqueceu algum objetivo mais nobre. Como
professor de tênis tornou-se amigo de Tom Hewett (Mathew Goode) e casou-se com
sua irmã Chloe (Emily Mortimer), filhos de rica família londrina. Conseguiu um
cargo importante na empresa do sogro. Seu futuro está assegurado. Pelo menos
até que o affair com Nola Rice, a exuberante Scarlett Johansson, uma paixão
avassaladora, não ponha tudo a perder.
A
sequência dos assassinatos ao som de Otello, de Verdi, talvez seja a cena
mais poderosa da carreira de Woody Allen. Uma recriação de Crime e Castigo,
agora transposta para a Londres contemporânea, onde o personagem de Match
Point é protagonista de uma composição cinematográfica refinada e impactante,
transmitindo toda a carga dramática da ação e reação que envolve seu ato.
Diferente
de Judah, Raskólnikov e Chris encontram um adversário à altura pela frente. Um
inspetor de polícia com a mesma inteligência que fica a um passo de desmascarar
toda a verdade. Principalmente no romance de Dostoiévski, desenrola-se um
elaborado jogo de caçador e caça que se desenvolve na segunda metade do livro,
servindo de inspiração para muitos filmes policiais que o cinema viria a
produzir. Felizmente para os protagonistas, considerando as três obras
relacionadas, o crime é atribuído a um terceiro, um marginalizado sem
esperança. Raskólnikov acaba se entregando, corroído pela culpa; já os
personagens de Woody Allen...
Outra
cena recorrente na obra alleniana é o confronto do personagem com seus
fantasmas. Em Match Point, quando Chris interage com a visão de suas vítimas,
há momentos de interseção com Crime e Castigo: “Às vezes, os inocentes morrem para se atingir um objetivo maior."
E com Crimes e Pecados: “Aprende-se a
esconder a culpa sob o tapete e a seguir em frente. É preciso. Senão, ela
soterra você.” “Seria bem apropriado se eu fosse preso e punido. Pelo menos
seria um pequeno sinal de justiça. Uma pequena medida de esperança da possibilidade de sentido.”
Em
sua reinterpretação de Crime e Castigo, Woody Allen acrescenta mais um
elemento: o acaso ou sorte. O filme abre com uma bolinha de tênis sobrevoando a
rede de um lado a outro da quadra. “Há
momentos no jogo em que a bola bate no topo da rede e por um segundo ela pode
ir para o outro lado ou voltar. Com sorte, ela cai do outro lado e você ganha.
Ou talvez não caia e você perca.” Assim se decide a vida de Chris. Em vez
de uma bolinha, um anel. No lugar da rede uma mureta separando o Tâmisa da
calçada. O arremesso é feito. Match point ou derrota. Liberdade ou condenação.
O imponderável decidindo nosso destino.
Considerado
por muitos como o melhor filme de Woody Allen, inclusive pelo próprio autor,
Match Point é uma das mais importantes produções neste início de século XXI. A
ambientação londrina, a profundidade dos personagens, jovens e atraentes, as
boas atuações, a bela fotografia, a trilha sonora composta por trechos de
óperas, o roteiro brilhante e a direção inspirada de Woody Allen criam uma
experiência cinematográfica que nos prende desde o início e fazem dessa obra
uma peça a ser exibida com destaque nas nossas prateleiras de DVDs.
Oi,Paulo, também gostei muito do filme e achei a tua análise perfeita.Só não sei porque eu sempre acho que esse filme não é dele.abraço.
ResponderExcluirOi, Goma. Obrigado pelo elogio. Realmente não parece um filme do Woody Allen. Não é comédia, ele não aparece, nem ninguém parecido com ele. Mas é o outro lado do Woody. O cara que é fã de Dostoiévski e Bergman. Tem muitos outros filmes "pesados" dele que também são muito legais. Grande abraço.
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