sábado, 25 de março de 2017

BRASÍLIA

(“Cinquenta anos em cinco”)




 


A história da criação de BRASÍLIA é uma história contada por pioneiros. O documentário OSCAR NIEMEYER – A VIDA É UM SOPRO, de 2007, dirigido por Fabiano Maciel, e a minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, exibida pela Globo em 2006, são excelentes registros desse período.

Em ambos os filmes, os momentos em que a tabelinha Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek aparece em cena, lembrada pelo arquiteto no documentário ou dramatizada na minissérie, ao lado da concepção e nascimento da nova capital federal, são pontos altos das narrativas.

Como complemento dessas indicações, vou me atrever a apresentar um relato familiar.


Meu pai já falecido, Manoel Laranja, o Manolo, como era conhecido 
pelos familiares e amigos, nasceu em São Borja, em 1918. Viveu sua infância e juventude na fazenda de meus avós. Até os 16 anos era praticamente analfabeto. Decidiu que deveria estudar. Completou o supletivo da época, formou-se em Engenharia Civil no Rio de Janeiro e participou da gestão de Leonel Brizola na Prefeitura de Porto Alegre, na década de 1950. Inclusive tinha um projeto para incentivar o consumo de peixe na capital gaúcha, o que não era comum na época, através de um intercâmbio com a cidade de Rio Grande, proposta que acabou sendo boicotada pelos grandes frigoríficos de carne.

Tinha, também, muitas histórias do tempo de estudante e profissional no Rio de Janeiro. Dele e do irmão que também morava no Rio, Francisco Laranja, médico e diretor do Instituto de Manguinhos, reconhecido internacionalmente como um grande cientista brasileiro pelas pesquisas sobre a Doença de Chagas. Os Laranjas conheciam o então Presidente da época, Getúlio Vargas, e o filho, Maneco, conterrâneos de São Borja. Uma das histórias contadas por meu pai era sobre o amigo chinês que fazia parte da turma frequentadora das festas oficiais de um Rio então glamourizado, e depois descobriram que era um espião a serviço de seu país.

Posteriormente, Manoel Laranja veio a ser um dos engenheiros responsáveis pela construção de Brasília. Era um homem simples. Adorava a vida rural. Não tinha inimigos. A par de sua determinação, lucidez e espírito prático, era generoso e conquistava a simpatia de quem se aproximava dele. Ensinou aos filhos, entre outras coisas, que não se economizava com saúde e educação (o que soa como exemplo para nosso próprio país, açoitado, no presente, por um período de austeridade sem sentido nos investimentos públicos). Não se gabava de sua participação nesta página da história do Brasil, o nascimento de um ícone de Arquitetura e Urbanismo, a capital federal símbolo da obra do maior arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer, e do grande urbanista Lúcio Costa, e marco do processo de modernização e integração territorial do país.

Naqueles tempos, mesmo com incentivos do governo, havia uma resistência por parte das pessoas em migrar para Brasília. Apenas os pioneiros tinham coragem (hoje a população é estimada em quase três milhões de habitantes).

Apesar de eu ser muito pequeno na época (entre dois e cinco anos), guardo algumas lembranças da minha infância nos primeiros anos de Brasília. A terra vermelha, O Vigilante Rodoviário na TV, os candangos, os carros de corrida coloridos nas ruas da Esplanada, nossa casa na Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), depois a casa na Avenida W3.

A W3, aliás, tinha uma proposta arquitetônica muito interessante e inovadora para a época: as garagens das casas de dois pisos, alinhadas lado a lado, davam para a via de carros, a rua propriamente dita; no lado oposto as fachadas se abriam para um jardim de grama muito verde, cortado por uma via de pedestres que se estendia ao longo das quadras, as chamadas superquadras. Meus olhos de criança ficavam maravilhados, achava tudo muito bonito. Infelizmente, hoje em dia, a W3 está completamente descaracterizada.

Manoel Laranja era o engenheiro responsável por implantar o sistema de micro-ondas na cidade que se erguia. Trabalhava sob as ordens diretas do Pres. Juscelino Kubitschek, como um dos seus homens de confiança. As micro-ondas são empregadas no campo das telecomunicações para carregar informações de sistemas de telefonia e televisão. Esse sistema iria garantir as ligações telefônicas de Brasília com o resto do país e o mundo. Era primordial que estivesse pronto antes da data de inauguração da cidade.

Uma instrução muito clara foi passada por Juscelino para meu pai: “Laranja, precisamos terminar as micro-ondas antes da inauguração de Brasília, custe o que custar! Qualquer coisa que você precise pode falar direto comigo! Você vai ter um canal só para isso. E pode usar nossos helicópteros sempre que precisar!” Como tudo que se precisava fazer na empreitada da capital emergente, a missão do engenheiro era quase impossível. Tudo tinha que ser feito em tempo recorde. Cinquenta anos em cinco era o lema de JK.

A mídia da época, que dependia da tecnologia a ser implantada, não acreditava. Questionavam o Presidente nas coletivas, entre outros assuntos: “Presidente, o sistema de micro-ondas vai ficar pronto a tempo?” Juscelino respondia: “Sim, ficará pronto na data prevista!” A tensão era crescente. Finalmente, depois de muitos percalços, em 17 de abril de 1960, as ligações telefônicas foram completadas! O sistema de micro-ondas estava estabelecido! Quatro dias depois, em 21 de abril, Brasília foi inaugurada! Minha mãe, Eunice, pôde preparar-se, aliviada, para o grande baile de gala na inauguração da nova capital federal.

Essa é uma das muitas histórias daquele tempo. Hoje, meus pais, assim como outros peregrinos, descansam protegidos por uma Luz que carrega consigo todas as respostas aos mistérios do Universo.

Dessa dimensão onde estão, apesar das críticas suscitadas pelo conceito da metrópole, estes pioneiros, Eng. Manoel Laranja e demais protagonistas, podem se orgulhar de ter participado do evento que viram tomar forma na poeira vermelha do Planalto Central: a criação de Brasília, obra-prima de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e Patrimônio da Humanidade.