(“Cinquenta anos em cinco”)

A
história da criação de BRASÍLIA é
uma história contada por pioneiros. O documentário OSCAR NIEMEYER – A VIDA É UM SOPRO, de 2007, dirigido por Fabiano Maciel, e a minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, exibida pela Globo em 2006, são excelentes
registros desse período.
Em
ambos os filmes, os momentos em que a tabelinha Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek
aparece em cena, lembrada pelo arquiteto no documentário ou dramatizada na
minissérie, ao lado da concepção e nascimento da nova capital federal, são
pontos altos das narrativas.
Como
complemento dessas indicações, vou me atrever a apresentar um relato
familiar.
Meu pai já falecido, Manoel Laranja, o Manolo,
como era conhecido
pelos familiares e amigos, nasceu em São Borja, em 1918.
Viveu sua infância e juventude na fazenda de meus avós. Até os 16 anos era
praticamente analfabeto. Decidiu que deveria estudar. Completou o supletivo da
época, formou-se em Engenharia Civil no Rio de Janeiro e participou da gestão
de Leonel Brizola na Prefeitura de Porto Alegre, na década de 1950. Inclusive
tinha um projeto para incentivar o consumo de peixe na capital gaúcha, o que não
era comum na época, através de um intercâmbio com a cidade de Rio Grande,
proposta que acabou sendo boicotada pelos grandes frigoríficos de carne.
Tinha, também, muitas histórias do tempo de
estudante e profissional no Rio de Janeiro. Dele e do irmão que também morava
no Rio, Francisco Laranja, médico e diretor do Instituto de Manguinhos,
reconhecido internacionalmente como um grande cientista brasileiro pelas pesquisas
sobre a Doença de Chagas. Os Laranjas conheciam o então Presidente da época,
Getúlio Vargas, e o filho, Maneco, conterrâneos de São Borja. Uma das histórias contadas
por meu pai era sobre o amigo chinês que fazia parte da turma frequentadora das
festas oficiais de um Rio então glamourizado, e depois descobriram que era um
espião a serviço de seu país.
Posteriormente,
Manoel Laranja veio a ser um dos engenheiros responsáveis pela construção de
Brasília. Era um homem simples. Adorava a vida rural. Não tinha inimigos. A par
de sua determinação, lucidez e espírito prático, era generoso e conquistava a
simpatia de quem se aproximava dele. Ensinou aos filhos, entre outras coisas,
que não se economizava com saúde e educação (o que soa como exemplo para nosso
próprio país, açoitado, no presente, por um período de austeridade sem sentido
nos investimentos públicos). Não se gabava de sua participação nesta página da
história do Brasil, o nascimento de um ícone de Arquitetura e Urbanismo, a
capital federal símbolo da obra do maior arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer,
e do grande urbanista Lúcio Costa, e marco do processo de modernização e
integração territorial do país.
Naqueles
tempos, mesmo com incentivos do governo, havia uma resistência por parte das
pessoas em migrar para Brasília. Apenas os pioneiros tinham coragem (hoje a
população é estimada em quase três milhões de habitantes).
Apesar
de eu ser muito pequeno na época (entre dois e cinco anos), guardo algumas
lembranças da minha infância nos primeiros anos de Brasília. A terra vermelha, O Vigilante Rodoviário na TV, os candangos, os carros de corrida coloridos
nas ruas da Esplanada, nossa casa na Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova
Capital), depois a casa na Avenida W3.
A
W3, aliás, tinha uma proposta arquitetônica muito interessante e inovadora para
a época: as garagens das casas de dois pisos, alinhadas lado a lado, davam para
a via de carros, a rua propriamente dita; no lado oposto as fachadas se abriam
para um jardim de grama muito verde, cortado por uma via de pedestres que se
estendia ao longo das quadras, as chamadas superquadras. Meus olhos de criança
ficavam maravilhados, achava tudo muito bonito. Infelizmente, hoje em dia, a W3
está completamente descaracterizada.
Manoel
Laranja era o engenheiro responsável por implantar o sistema de micro-ondas na
cidade que se erguia. Trabalhava sob as ordens diretas do Pres. Juscelino
Kubitschek, como um dos seus homens de confiança. As micro-ondas são empregadas
no campo das telecomunicações para carregar informações de sistemas de
telefonia e televisão. Esse sistema iria garantir as ligações telefônicas de
Brasília com o resto do país e o mundo. Era primordial que estivesse pronto
antes da data de inauguração da cidade.
Uma
instrução muito clara foi passada por Juscelino para meu pai: “Laranja, precisamos terminar as micro-ondas
antes da inauguração de Brasília, custe o que custar! Qualquer coisa que você
precise pode falar direto comigo! Você vai ter um canal só para isso. E pode
usar nossos helicópteros sempre que precisar!” Como tudo que se precisava
fazer na empreitada da capital emergente, a missão do engenheiro era quase
impossível. Tudo tinha que ser feito em tempo recorde. Cinquenta anos em
cinco era o lema de JK.
A
mídia da época, que dependia da tecnologia a ser implantada, não acreditava.
Questionavam o Presidente nas coletivas, entre outros assuntos: “Presidente, o sistema de micro-ondas vai
ficar pronto a tempo?” Juscelino respondia: “Sim, ficará pronto na data prevista!” A tensão era crescente. Finalmente,
depois de muitos percalços, em 17 de abril de 1960, as ligações telefônicas
foram completadas! O sistema de micro-ondas estava estabelecido! Quatro dias
depois, em 21 de abril, Brasília foi inaugurada! Minha mãe, Eunice, pôde
preparar-se, aliviada, para o grande baile de gala na inauguração da nova
capital federal.
Essa
é uma das muitas histórias daquele tempo. Hoje, meus pais, assim como outros
peregrinos, descansam protegidos por uma Luz que carrega consigo todas as
respostas aos mistérios do Universo.
Dessa
dimensão onde estão, apesar das críticas suscitadas pelo conceito da metrópole,
estes pioneiros, Eng. Manoel Laranja e demais protagonistas, podem se orgulhar
de ter participado do evento que viram tomar forma na poeira vermelha do Planalto
Central: a criação de Brasília, obra-prima de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e
Patrimônio da Humanidade.
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