domingo, 17 de setembro de 2017

A CHEGADA

(“Apesar de conhecer a jornada e aonde ela leva eu a acolho. E saúdo cada momento dela.”)




“Esse talvez tenha aberto os olhos para o ideal contrário: para o ideal do homem mais pleno de alegria, mais vivo e mais afirmador do mundo, que não somente aprendeu a contentar-se e suportar aquilo que foi e que é, mas que o quer novamente tal como foi e é, por toda a eternidade.”

Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) é um dos filósofos de maior influência no pensamento ocidental e contemporâneo, alcançando até mesmo galáxias longínquas, onde sua Teoria do Eterno Retorno foi absorvida pelos heptapods, que precisam ensiná-la a Amy Adams, com o objetivo de sua civilização, no futuro, ser salva pela humanidade, ao mesmo tempo em que necessitam se defender do individualismo e belicismo humanos. Para repassar os ensinamentos e sua compreensão do tempo não linear precisam se valer dos fundamentos da linguística.

Esse é o argumento espetacular de A CHEGADA (Arrival), do diretor canadense Denis Villeneuve, filme de 2016 premiado como Melhor Filme de Ficção Científica / Terror e Melhor Roteiro Adaptado pelo Critics' Choice Award; Oscar de Melhor Edição de Som; Prêmio Bafta de Melhor Som; Melhor Roteiro Adaptado pelo Writers Guild of America e Melhor Filme Estrangeiro pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Ficção científica e filosofia, associação obrigatória em todo grande filme de ficção, patamar já alcançado por essa produção, um dos melhores filmes do gênero já realizados. É obrigatório destacar também o trabalho sensacional de edição de som, que dá vida aos carismáticos extraterrestres e conduz o mistério do filme com um fascínio redobrado, valorizando o argumento e a qualidade desse novo clássico.

Naves alienígenas aterrissaram em doze diferentes países ao redor do mundo. Amy Adams, como a Dra. Louise Banks, autoridade mundial em linguística, é convocada pelo governo americano para decifrar a linguagem dos extraterrestres que pousaram em seu país, chamados pelos terráqueos de heptapods, por possuírem sete pés.

Como os heptapods poderiam transmitir seus conhecimentos para Amy Adams? Conforme fundamentos básicos da linguística, para aprendermos uma língua estrangeira devemos pensar como nativos de tal língua. Devemos imergir em sua cultura. Para aprender japonês, precisamos pensar como japoneses (por isso japonês é tão difícil!). A Dra. Louise Banks explica melhor a Ian Donnelly (Jeremy Renner), cientista também convocado para a missão:

 “Sim, a Hipótese de Sapir-Whorf. A teoria de que a língua que você fala determina como você pensa.”
“Ela afeta como você enxerga tudo”, complementa Ian.

Pois bem, no processo de aquisição da linguagem Amy Adams absorve o pensamento dos heptapods, com sua compreensão do tempo não linear (os próprios sinais gráficos da linguagem alienígena, sua ortografia não linear, assemelham-se ao símbolo circular da mandala, sem início nem fim, assim como o nome da filha de Amy, Hannah, um palíndromo, que se lê igual de trás para frente). Essa compreensão é a grande dádiva dos visitantes, seu presente, além da lição sobre trabalho em solidariedade que pretendem passar aos humanos, forçando-os a superar a barreira dos interesses antagônicos e a delimitação das fronteiras excludentes.

Se lhe fizessem a seguinte pergunta: você aceitaria viver novamente sua vida tal qual ela foi, sem nada mudar, por toda a eternidade? Conforme Nietzsche e a Teoria do Eterno Retorno, a resposta sim é uma afirmação da existência, o ideal do homem mais pleno de alegria, mais vivo, aquele que valoriza a vida com todas as alegrias e tristezas inerentes ao próprio percurso.

Confrontada com a noção do tempo não linear, onde passado, presente e futuro são caminhos simultâneos cruzando os labirintos da existência, a resposta de Amy Adams ao enigma nietzscheano é afirmativa:

Apesar de conhecer a jornada e aonde ela leva eu a acolho. E saúdo cada momento dela.

Sua coragem e o aprendizado a que se submeteu serão decisivos para enfrentar a intolerância humana e defender os heptapods e o plano que traçaram como única esperança para duas raças cuja possibilidade de entendimento passa por uma nova compreensão, por parte dos humanos, acerca do tempo e da superação dos limites que nos aprisionam.

O processo de aprendizagem de Amy Adams, catalisadora desse contexto, é difícil e penoso. A interação com os alienígenas e o seu próprio drama pessoal, que aparece como instantâneos de uma vida desvendada, convergem para o ponto onde revelação, sofrimento e realização não são caminhos óbvios para um novo estágio:

A memória é algo estranho. Ela não funciona como eu imaginava. Estamos tão presos ao tempo. À sua ordem. Mas agora não tenho tanta certeza se acredito em começos e fins.

Acompanhamos as reflexões e desafios da protagonista ao longo de um filme enigmático e repleto de belas cenas. Numa das últimas Amy Adams questiona Jeremy Renner:

“Ian, se você pudesse ver toda a sua vida do início ao fim mudaria coisas?”

E você? Lembre-se de Friedrich Nietzsche antes de responder.