(“Apesar de conhecer a
jornada e aonde ela leva eu a acolho. E saúdo cada momento dela.”)
“Esse
talvez tenha aberto os olhos para o ideal contrário: para o ideal do homem mais
pleno de alegria, mais vivo e mais afirmador do mundo, que não somente aprendeu
a contentar-se e suportar aquilo que foi e que é, mas que o quer novamente tal como foi e é, por toda a
eternidade.”
Friedrich
Nietzsche (1844 – 1900) é um dos filósofos de maior influência no pensamento
ocidental e contemporâneo, alcançando até mesmo galáxias longínquas, onde sua
Teoria do Eterno Retorno foi absorvida pelos heptapods, que precisam ensiná-la
a Amy Adams, com o objetivo de sua civilização, no futuro, ser salva pela
humanidade, ao mesmo tempo em que necessitam se defender do individualismo e
belicismo humanos. Para repassar os ensinamentos e sua compreensão do tempo não
linear precisam se valer dos fundamentos da linguística.
Esse
é o argumento espetacular de A CHEGADA (Arrival),
do diretor canadense Denis Villeneuve, filme de 2016 premiado como Melhor Filme
de Ficção Científica / Terror e Melhor Roteiro Adaptado pelo Critics' Choice
Award; Oscar de Melhor Edição de Som; Prêmio Bafta de Melhor Som; Melhor
Roteiro Adaptado pelo Writers Guild of America e Melhor Filme Estrangeiro pelo
Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.
Ficção
científica e filosofia, associação obrigatória em todo grande filme de ficção,
patamar já alcançado por essa produção, um dos melhores filmes do gênero já
realizados. É obrigatório destacar também o trabalho sensacional de edição de
som, que dá vida aos carismáticos extraterrestres e conduz o mistério do filme
com um fascínio redobrado, valorizando o argumento e a qualidade desse novo
clássico.
Naves
alienígenas aterrissaram em doze diferentes países ao redor do mundo. Amy
Adams, como a Dra. Louise Banks, autoridade mundial em linguística, é convocada
pelo governo americano para decifrar a linguagem dos extraterrestres que
pousaram em seu país, chamados pelos terráqueos de heptapods, por possuírem
sete pés.
Como
os heptapods poderiam transmitir seus conhecimentos para Amy Adams? Conforme
fundamentos básicos da linguística, para aprendermos uma língua estrangeira
devemos pensar como nativos de tal língua. Devemos imergir em sua cultura. Para
aprender japonês, precisamos pensar como japoneses (por isso japonês é tão
difícil!). A Dra. Louise Banks explica melhor a Ian Donnelly (Jeremy Renner), cientista também convocado para a missão:
“Sim, a Hipótese de Sapir-Whorf. A teoria de
que a língua que você fala determina como você pensa.”
“Ela
afeta como você enxerga tudo”, complementa Ian.
Pois
bem, no processo de aquisição da linguagem Amy Adams absorve o pensamento dos
heptapods, com sua compreensão do tempo não linear (os próprios sinais gráficos
da linguagem alienígena, sua ortografia não linear, assemelham-se ao símbolo
circular da mandala, sem início nem fim, assim como o nome da filha de Amy,
Hannah, um palíndromo, que se lê igual de trás para frente). Essa compreensão é
a grande dádiva dos visitantes, seu presente, além da lição sobre trabalho em
solidariedade que pretendem passar aos humanos, forçando-os a superar a
barreira dos interesses antagônicos e a delimitação das fronteiras excludentes.
Se
lhe fizessem a seguinte pergunta: você aceitaria viver novamente sua vida tal
qual ela foi, sem nada mudar, por toda a eternidade? Conforme Nietzsche e a
Teoria do Eterno Retorno, a resposta sim é uma afirmação da existência, o ideal
do homem mais pleno de alegria, mais vivo, aquele que valoriza a vida com todas
as alegrias e tristezas inerentes ao próprio percurso.
Confrontada
com a noção do tempo não linear, onde passado, presente e futuro são caminhos
simultâneos cruzando os labirintos da existência, a resposta de Amy Adams ao enigma
nietzscheano é afirmativa:
Apesar de conhecer a jornada e aonde
ela leva eu a acolho. E saúdo cada momento dela.
Sua
coragem e o aprendizado a que se submeteu serão decisivos para enfrentar a
intolerância humana e defender os heptapods e o plano que traçaram como única
esperança para duas raças cuja possibilidade de entendimento passa por uma nova
compreensão, por parte dos humanos, acerca do tempo e da superação dos limites
que nos aprisionam.
O
processo de aprendizagem de Amy Adams, catalisadora desse contexto, é difícil e
penoso. A interação com os alienígenas e o seu próprio drama pessoal, que
aparece como instantâneos de uma vida desvendada, convergem para o ponto onde
revelação, sofrimento e realização não são caminhos óbvios para um novo
estágio:
A memória é algo estranho. Ela não
funciona como eu imaginava. Estamos tão presos ao tempo. À sua ordem. Mas agora
não tenho tanta certeza se acredito em começos e fins.
Acompanhamos
as reflexões e desafios da protagonista ao longo de um filme enigmático e repleto
de belas cenas. Numa das últimas Amy Adams questiona Jeremy Renner:
“Ian,
se você pudesse ver toda a sua vida do início ao fim mudaria coisas?”
E
você? Lembre-se de Friedrich Nietzsche antes de responder.
O filme tem um estilo único que eu amei! Quando vi o elenco de A Chegada imaginei que seria um grande filme li que o diretor é Denis Villeneuve, um dos mais talentosos de Hollywood. O filme superou as minhas expectativas, realmente o recomendo. De todos os filmes que estrearam o ano passado, este foi o meu preferido.
ResponderExcluirConcordo contigo, Elainne. Também foi meu favorito do ano passado. Dificilmente assistimos um filme com um roteiro tão complexo e ao mesmo tempo tão fascinante. Denis Villeneuve é o cara. Abraço!
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