quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O QUARTO DE JACK

(“Há lugares demais no mundo. Há menos tempo, porque o tempo tem de ser espalhado bem fininho por todo lugar, como manteiga.”)




O QUARTO DE JACK (Room), produção canadense-irlandesa de 2015, entre os filmes que assisti nos últimos anos é um dos que mais me surpreendeu. Não esperava que fosse tão bom.

O diretor Lenny Abrahamson e a roteirista Emma Donoghue, autora do próprio romance em que se baseia o filme, conseguiram, com um resultado muito bacana, combinar drama familiar, mistério, suspense, crítica social e nossa capacidade de enternecimento pelas crianças. Pode-se dizer que esse último fator é o mais destacado. Ao lado da interpretação oscarizada da atriz Brie Larson como Joy Newsone, a mãe do menino, atuação muito legal, e a par da química excepcional que rolou entre ambos, no entanto é o ator mirim Jacob Tremblay como Jack que rouba quase todas as cenas e sobre cujo olhar inocente, irresistível à nossa comoção, o filme se estrutura.

Uma observação: esse é um filme sobre o qual comentários não devem se alongar. Quanto menos spoilers melhor. Portanto, se você ainda não viu a fita, pare tudo, vá lá, assista ao filme, enjoy the program e volte para prestigiar este modesto espaço.

Quase todo o desenrolar de O Quarto de Jack é acompanhado pela ótica do pequeno menino de cinco anos, o próprio Jack. Mesmo quando ele não é o protagonista direto da ação, está quase sempre por perto, espreitando, atento, observando com seu olhar curioso. Ao mesmo tempo testemunhamos a luta da mãe, seus conflitos, sua obstinação em proteger e preparar o filho para um mundo que ele desconhece.

A primeira parte do filme é puro suspense. Pelo ponto de vista de Jack compartilhamos sua crença naquele mundo que lhe foi apresentado. Uma realidade na qual o quarto é um personagem importante. E depois o momento em que suas ilusões são questionadas e sua vida de criança precisa amadurecer e ganhar coragem para sobreviver.

Na segunda parte, quando praticamente começa a descobrir o mundo real - a descoberta do mundo pelos olhos de uma criança - simples visões de postes e fios, árvores e nuvens são quase capazes de nos levar às lágrimas.

A liberdade traz novos desafios para a mãe e o menino.

Acompanhamos as dificuldades de Joy, sempre ao lado do filho, em se readaptar à vida da qual fora afastada, os conflitos familiares e o enfrentamento de preconceitos e juízos morais por parte de quem não sofreu na pele o drama do qual foi vítima.

Para Jack, à medida que vai se inserindo no novo mundo muita coisa lhe parece estranha, e ao mesmo tempo é sensível ao momento da mãe, como na cena em que a bela melodia do piano da trilha sonora conduz seus pensamentos:

“Há lugares demais no mundo. Há menos tempo, porque o tempo tem de ser espalhado bem fininho por todo lugar, como manteiga. Todas as pessoas dizem: Rápido. Vamos depressa. Aperte o passo. Termine agora. Mãe estava com pressa de chegar ao céu, mas me esqueceu. Boba mãe. Então os ETs a jogaram de volta pra cá, e a quebraram.”

Por fim, Jack e sua mãe foram obrigados a fazer uma última visita ao Quarto. Precisavam enterrar no passado o trauma que vivenciaram juntos e o menino se despedir de um lado afetivo ainda presente em suas lembranças. Para o pequeno Jack, aquele espaço, onde realidade e fantasia se confundiam e moldavam o mundo que ele conhecia até então, deixou marcas contraditórias em seu espírito. Contradições que a liberdade da qual passa a usufruir exige a ultrapassagem e o abandono das referências carinhosas que marcaram sua infância naquele universo entre quatro paredes.