(“Há lugares demais no mundo. Há menos tempo, porque
o tempo tem de ser espalhado bem fininho por todo lugar, como manteiga.”)
O QUARTO DE JACK (Room), produção canadense-irlandesa de 2015, entre os filmes
que assisti nos últimos anos é um dos que mais me surpreendeu. Não esperava que
fosse tão bom.
O
diretor Lenny Abrahamson e a roteirista Emma Donoghue, autora do próprio
romance em que se baseia o filme, conseguiram, com um resultado muito bacana,
combinar drama familiar, mistério, suspense, crítica social e nossa capacidade
de enternecimento pelas crianças. Pode-se dizer que esse último fator é o mais
destacado. Ao lado da interpretação oscarizada da atriz Brie Larson como Joy
Newsone, a mãe do menino, atuação muito legal, e a par da química excepcional
que rolou entre ambos, no entanto é o ator mirim Jacob Tremblay como Jack que
rouba quase todas as cenas e sobre cujo olhar inocente, irresistível à nossa
comoção, o filme se estrutura.
Uma
observação: esse é um filme sobre o qual comentários não devem se alongar.
Quanto menos spoilers melhor. Portanto, se você ainda não viu a fita, pare
tudo, vá lá, assista ao filme, enjoy the program e volte para prestigiar este
modesto espaço.
Quase
todo o desenrolar de O Quarto de Jack é
acompanhado pela ótica do pequeno menino de cinco anos, o próprio Jack. Mesmo
quando ele não é o protagonista direto da ação, está quase sempre por perto,
espreitando, atento, observando com seu olhar curioso. Ao mesmo tempo testemunhamos
a luta da mãe, seus conflitos, sua obstinação em proteger e preparar o filho
para um mundo que ele desconhece.
A
primeira parte do filme é puro suspense. Pelo ponto de vista de Jack compartilhamos
sua crença naquele mundo que lhe foi apresentado. Uma realidade na qual o
quarto é um personagem importante. E depois o momento em que suas ilusões são
questionadas e sua vida de criança precisa amadurecer e ganhar coragem para
sobreviver.
Na
segunda parte, quando praticamente começa a descobrir o mundo real - a
descoberta do mundo pelos olhos de uma criança - simples visões de postes e
fios, árvores e nuvens são quase capazes de nos levar às lágrimas.
A
liberdade traz novos desafios para a mãe e o menino.
Acompanhamos
as dificuldades de Joy, sempre ao lado do filho, em se readaptar à vida da qual
fora afastada, os conflitos familiares e o enfrentamento de preconceitos e
juízos morais por parte de quem não sofreu na pele o drama do qual foi vítima.
Para
Jack, à medida que vai se inserindo no novo mundo muita coisa lhe parece
estranha, e ao mesmo tempo é sensível ao momento da mãe, como na cena em que a
bela melodia do piano da trilha sonora conduz seus pensamentos:
“Há
lugares demais no mundo. Há menos tempo, porque o tempo tem de ser espalhado
bem fininho por todo lugar, como manteiga. Todas as pessoas dizem: Rápido.
Vamos depressa. Aperte o passo. Termine agora. Mãe estava com pressa de chegar
ao céu, mas me esqueceu. Boba mãe. Então os ETs a jogaram de volta pra cá, e a
quebraram.”
Por
fim, Jack e sua mãe foram obrigados a fazer uma última visita ao Quarto.
Precisavam enterrar no passado o trauma que vivenciaram juntos e o menino se
despedir de um lado afetivo ainda presente em suas lembranças. Para o pequeno
Jack, aquele espaço, onde realidade e fantasia se confundiam e moldavam o mundo
que ele conhecia até então, deixou marcas contraditórias em seu espírito.
Contradições que a liberdade da qual passa a usufruir exige a ultrapassagem e o
abandono das referências carinhosas que marcaram sua infância naquele universo
entre quatro paredes.
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