(“Imprima-se a lenda.”)
Quem não tem um amigo ou parente advogado? Pois é, a turma do Direito é presença constante em nossas vidas pessoais ou profissionais. No meu caso, sou casado com uma advogada, tenho vários amigos e
parentes advogados, e no meu local de trabalho a maioria dos colegas são advogados.
Eu mesmo estudei dois anos de Direito na UFRGS. Não gostava da linguagem
empolada do Curso e troquei de faculdade. Mas reconheço a nobreza das Ciências
Jurídicas e Sociais. Mais do que defensores de direitos e leis, os advogados
podem ser considerados, em seu conceito mais elevado, como a imagem idealizada
de guardiões da Justiça. Embora, muitas vezes, a realidade confronte essa
imagem, o que importa é o espírito nobre dessa secular profissão. Em homenagem
aos meus amigos do Direito, resolvi escrever sobre um filme que muito admiro.
Os
filmes de advogados são um gênero tradicional do cinema americano. Grandes
filmes como Advogado do Diabo, Testemunha de Acusação, Doze Homens e Uma
Sentença, O Sol É Para Todos, etc. E talvez o melhor do gênero, uma das mais
importantes produções americanas, O
HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA (The Man Who Shot Liberty Valance). Western de
1962, de John Ford, mestre deste gênero, com James Stewart, John Wayne, Vera
Miles, Lee Marvin e Edmond O’Brien.
Também
um filme sobre o nobre papel da Imprensa. Uma fita que faz a apologia de dois
pilares da democracia: o Direito, como defensor da lei e da ordem, e a Liberdade
de Imprensa. Mas este filme extraordinário, que contempla dois gêneros máximos
do cinema americano, advogado e western, ainda é mais do que isso.
James
Stewart é Ransom Stoddard, um jovem
idealista recém-formado em Direito, que chegou a uma pequena cidade do Velho
Oeste ("Vá para o Oeste, rapaz. Atrás de
fama, fortuna e aventura", citação que relembra anos depois), disposto a
trabalhar com seu ofício numa localidade que desconhecia esse traço
civilizatório. Um forasteiro que ao invés de arma carregava livros. O contraste entre o novo e o velho, a civilização e progresso
que vem do Leste e o conservadorismo do Oeste primitivo, é um tema recorrente
nos westerns.
O
filme é narrado em flashback, com o advogado, agora um político respeitável,
que retorna muitos anos depois, com sua esposa, Vera Miles, à pequena Shinbone,
já adaptada aos novos tempos, por conta do falecimento de um amigo. A morte desse amigo representa o final de uma era. Stoddard conta sua própria história para um jornalista local que deseja saber a verdade sobre o mito que
se criou em torno de seu nome. Antes, ao chegarem na estação ferroviária, foram
recebidos por um velho amigo, o antigo xerife. Hallie (Vera Miles) comentou: "Esse
lugar mudou mesmo." O ex-xerife respondeu: "Foi a estrada de ferro. O deserto continua o mesmo." Antes da
estrada de ferro se desenvolve a história narrada.
Naquela
época, Ransom Stoddard precisava trabalhar como lavador de pratos no saloon
local, onde se apaixonara por Hallie. Seu amigo e aliado, o jornalista Dutton
Peabody, permitira que ele colocasse, na fachada do seu jornal, uma placa
oferecendo seus serviços de attorney at law. Também era professor. "A educação
é a base da lei e da ordem", estava escrito no seu quadro-negro. Encontraria
muitas dificuldades para pôr em prática seu projeto, o respeito às leis. A
cruzada de Stoddard, seu ideal e maneiras civilizadas contra a crueza da luta
simples pela sobrevivência é o mote principal do filme.
John
Wayne é uma atração à parte. Sempre interpretando a si mesmo, ele é Tom
Doniphon, cowboy que encarna as virtudes dos homens do Velho Oeste. É o contraponto de Stewart, sempre advertindo
sobre a natureza hostil da região. Representa os homens rudes que contrastam com
o almofadinha Ransom. Ambos disputam a preferência romântica de Vera Miles. Impossível
não se impressionar com o carisma do velho John Wayne e sua persona heroica e
conflitada do cowboy que breve irá desaparecer.
O
western é tradicionalmente um cinema político, o que valoriza ainda mais esse
gênero icônico. Muitas vezes os vilões são grandes fazendeiros, detentores do poder
econômico, que oprimem a população humilde. Lee Marvin é Liberty Valance, o
próprio facínora do título, a arma empunhada pelos latifundiários para defender
seus privilégios. E inimigo do idealista James Stewart.
Outro
grande ator do filme é Edmond O’Brien, que representa o jornalista pioneiro,
proprietário do Shinbone Star, Dutton Peabody, que com seu pequeno jornal, em
nome da liberdade de imprensa, afronta os poderosos da região, naqueles tempos
anteriores à estrada de ferro. Ao contrário dos nossos jornais de hoje, que só
publicam notícias de acordo com seus interesses políticos, para Peabody tudo
que fosse importante era notícia. Em uma das melhores cenas do filme, a eleição
de dois representantes da comunidade, Ransom
indica Peabody. Este retruca, atônito, como se não acreditasse no que
estava acontecendo: "Sou um jornalista,
não um político! Eu faço os políticos! Eu os ponho lá em cima e depois os
destruo!"
O
Homem Que Matou o Facínora é também uma fita sobre a ironia amarga da vida.
Alguns colhem os louros e fama pelos méritos de outros, que permanecerão
desconhecidos. Como se o progresso e evolução se escorassem em heróis anônimos,
condenados para sempre ao obscurantismo. Um carma carregado pela civilização.
Numa das cenas finais, o editor do jornal que conduz a entrevista, após o
término da narrativa do agora respeitado senador Ransom Stoddard, rasga as
folhas que contêm a versão real da história e responde à pergunta do próprio se
não irá publicá-la:
"Não, senhor. Estamos no Oeste. Quando
a lenda se torna fato, imprima-se a lenda."
Western que gostamos cada vez mais à medida que revemos, O Homem Que Matou o Facínora é um dos maiores clássicos de todos os tempos.
E
aproveito para citar as palavras do editor, reportando-me novamente ao belo
ofício dos amigos advogados: Imprima-se
a lenda!
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