(“Você sabe tudo sobre impulso homicida. Não sabe, shooter?”)
Considero
INSTINTO SELVAGEM (Basic Instinct), de
1992, o melhor filme noir de todos os tempos. Minha esposa, fã do filme,
compartilha da mesma opinião. Bom, se não é o melhor pelo menos podemos
colocá-lo na galeria de obras-primas
deste gênero, desde O Falcão Maltês até Pacto de Sangue, Laura, Amar Foi
Minha Ruína, Vertigo, Corpos Ardentes e tantos outros.
O
termo “noir” surgiu na crítica francesa, numa alusão a uma coleção de livros de
histórias criminais, impressos em capas pretas, para denominar um estilo de
filmes policiais, em preto-e-branco, produzidos por Hollywood nos anos
quarenta. O gênero estendeu-se pelas décadas seguintes e quase sempre seus
principais elementos são a fotografia em contraste claro-escuro, gerando
sombras que representam a própria psique dos personagens, cenários noturnos,
submundo, desesperança, valores morais obscuros, mulheres fatais, um
investigador cínico e desiludido que sempre se apaixona pela mulher errada, diálogos
ácidos e de duplo sentido, crimes como assassinato e roubo, história intrincada
ou mesmo incompreensível.
O
diretor holandês Paul Verhoeven, autor de sucessos como Robocop, Conquista
Sangrenta, O Vingador do Futuro, A Espiã, etc., manipulou esses elementos
criando um filme irresistível, cheio de clima, mistério e sedução, além de
transformar Sharon Stone em estrela e adicionar mais um sucesso à carreira de
Michael Douglas.
Instinto
Selvagem é inspirado livremente no filme espanhol O Matador, de Pedro
Almodóvar.
Sharon
Stone é Catherine Tramell, uma loira hitchcoquiana no auge de sua beleza, a
femme fatale protagonista da cena mais ousada dos filmes noir. Uma cruzada de
pernas espetacular que traumatizou os policiais presentes no interrogatório e
deve ter derrubado vários saquinhos de pipoca nas sessões de cinema.
Michael
Douglas é o detetive Nick Curran, aquele cara que só entra em roubada, um loser
do tipo que sempre simpatizamos neste gênero de filme.
É
pela relação ambígua entre ambos, antagonismo e desejo irrefreável, que a trama
se desenvolve em seus vários desenlaces. Parece que o tempo todo tentamos dizer
para Michael “Cai fora. Você vai se fuder”, mas como resistir à beleza de
Sharon? Na verdade, queremos que ele continue atrás da gostosa. Assim também
funcionava a cabeça de Nick Curran.
Na
abertura do filme, ao som da elogiada trilha sonora, quatro nomes de peso responsáveis
pela produção aparecem entre os créditos: Jerry Goldsmith, compositor da trilha
sonora; Jan de Bont, responsável pela bela fotografia, que viria a ser diretor
de sucessos como Twister e Velocidade Máxima; Joe Eszterhas, autor do
roteiro e roteirista de Flashdance e Jade; e o próprio diretor Paul
Verhoeven.
Cabe
destacar a presença no elenco da veterana Dorothy Malone, atriz de clássicos
inesquecíveis como À Beira do Abismo (outro grande filme noir), Palavras ao
Vento e O Último Pôr do Sol. Ela faz o papel de Hazel Dobkins, uma das
amigas de Catherine Tramell. Também no cast a bela Jeanne Tripplehorn, de Waterworld,
como a Dr. Beth Garner.
Após
a apresentação dos créditos, uma cena de sexo ardente é seguida pela violência
de um assassinato. A protagonista é uma loira hot, mas não conseguimos enxergar
seu rosto. Catherine Tramell, namorada do roqueiro assassinado, passa a ser a
principal suspeita.
Quando
o policial Nick Curran e seu parceiro Gus encontram-se pela primeira vez com
Catherine, no deck de sua casa de praia, com uma vista paradisíaca para o mar,
sabemos que a tela vai pegar fogo, sentimos um clima tal qual notas de jazz,
perigosas e sedutoras, preenchendo toda a atmosfera do filme. Sabemos que
ninguém será páreo para aquela mulher, nem mesmo o detector de mentiras: “Não hesita, sem variação na pressão ou na
pulsação. Ou ela está dizendo a verdade ou nunca vi alguém igual”, relata o técnico do polígrafo
para seus colegas, após o interrogatório da beldade.
Catherine
Tramell é psicóloga e escritora. Escreve livros de ficção e faz sua pesquisa
entre pessoas cujo passado revelou um instinto assassino e que passam a fazer
parte de seus relacionamentos pessoais. No seu entender, Nick Curran se
enquadra nesse perfil. Afinal, ele havia sofrido um processo dentro da própria
polícia, quando, num tiroteio com criminosos, matara acidentalmente dois
turistas. Catherine parece saber tudo sobre a vida de Nick. Quando o policial
reaparece em sua casa, inclusive lhe revela que se inspira nele para o personagem
de seu próximo livro.
-
Então, o que quer perguntar para mim? – prontifica-se Nick com a pesquisa da escritora,
enquanto esta prepara um drink.
-
O que se sente ao matar alguém? – pergunta Catherine.
-
Me conte você – tenta se recompor o policial.
-
Eu não sei, mas você sabe.
-
Foi um acidente. Eles entraram na linha de tiro.
No
desenrolar do jogo que a anfitriã conduz, o detetive lhe pergunta sobre Hazel
Dobkins:
-
Hazel é minha amiga – responde Catherine.
-
Sua amiga acabou com toda a família.
-
Sim, ela me ajudou a entender o impulso homicida.
-
Pensei que aprendesse isso na escola.
-
Só na teoria. Mas você sabe tudo sobre impulso homicida. Não sabe, shooter? Não
em teoria, mas na prática. O que aconteceu? Foi tragado por isso? Gostou muito?
-
Não sei do que está falando.
Neste
momento, o rosto de Catherine está quase encostado no de Nick e sua voz é um
convite ao policial, completamente sem ação, a se deixar perder nas próprias
confidências:
-
Fale-me da coca, Nick. No dia em que acertou os dois turistas. Quanta coca
tinha cheirado? Vamos, você pode me contar.
-
Não cheirei.
-
Sim, cheirou sim. Eles nunca checaram isso, não foi? Mas a Assuntos Internos
sabia. Sua esposa também sabia, não é mesmo? Ela sabia o que estava
acontecendo. Nicky chegou perto demais do fogo. Nicky gostou daquilo. Foi por
isso que ela se matou.
O
policial empurra a loira, que continua lhe fitando com um sorriso irônico no
canto dos belos lábios. A amiga Roxy chega, outra loira sensual, e enquanto
Catherine a envolve em seus braços, o detetive dirige-se irritado para a
saída. “Você vai dar um personagem formidável,
Nick”, diverte-se a escritora com a reação do cara.
Ao
longo de toda a trama policial, desde o início, a teia que Catherine tece sobre
Nick e da qual ele não consegue escapar é o âmago do filme. “Ela sabe tudo a meu respeito. Ela está
atrás de mim, Gus”, revela a seu parceiro sem conseguir uma explicação. A
sensação de perigo parece impelir Nick para as cenas de sexo com a bela
suspeita. Qual seria a verdadeira intenção de Catherine Tramell por trás
daquela aura de desejo e ameaça? Até a última cena, ou mesmo depois, esta
pergunta parece nunca ter resposta.
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