sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O PAGAMENTO FINAL

(“Um favor mata mais rápido que uma bala.”)




Certos atores estão associados a uma série de clássicos inesquecíveis. É o caso deste filme com Al Pacino. Dirigido por Brian De Palma. A parceria desses dois gênios do cinema americano, com a colaboração do produtor Martin Bregman, já havia rendido o excelente Scarface, em 1983. Dez anos depois, em 1993, o trio voltou a trabalhar junto e criou mais um grande filme de gângster, O PAGAMENTO FINAL (Carlito’s Way), um dos melhores clássicos do gênero. 

Este ótimo policial conta a luta inglória de um anti-herói contra o Sistema que não lhe permite chance de reabilitação.

Carlito Brigante (Al Pacino) é um porto-riquenho recém-saído da prisão, após cumprir cinco anos de sua pena por tráfico de drogas, atividade na qual era considerado um dos grandes chefões. Quer se regenerar. Não quer mais seguir a vida de crimes. Numa das cenas iniciais, comemorando sua liberdade com o amigo advogado David (Sean Penn, em grande atuação) e conversando na danceteria onde estão se divertindo, este lhe pergunta o que fará a seguir. O advogado não acredita no papo de regeneração, mas poderia lhe conseguir um emprego, gerente numa boate onde investiu seu dinheiro. Carlito não quer aceitar, quer vida nova, mas David insiste: "Você pode considerar como um favor entre amigos." Carlito precisa ser mais enfático:

"Nada de favores. Um favor mata mais rápido que uma bala."

Não queria mais ligações com as referências antigas. Noutra cena, em que sua paciência é posta à prova, reflete: "Os velhos instintos estão voltando. Mas não quero matar ninguém mesmo que ainda deva. Não sou mais assim."

A verdade é que Carlito não consegue se libertar de seu passado, mesmo que queira. Quando as coisas começam a se complicar novamente, aceita trabalhar no night club, na condição de sócio, para juntar dinheiro e mudar-se para as Bahamas com sua amada Gail (Penelope Ann Miller), onde um amigo lhe espera com uma parceria num negócio honesto. Mas não é possível para ele livrar-se do contexto de criminalidade que está a sua volta ("A rua está de olho. O tempo todo de olho."), como nativo de um bairro hispânico no Harlem, onde a luta pela sobrevivência passa ao largo das boas maneiras dos bairros abastados.

O talento do diretor Brian De Palma ajuda a contar a cruzada de Carlito em busca de redenção de uma maneira envolvente mas também sensível, graças em muito à atuação contida e humana de Al Pacino.

Nas cenas de suspense e ação, principalmente, onde o diretor imprime sua marca registrada, o virtuosismo de Brian De Palma confere brilho e energia à estória do determinado porto-riquenho. A ótima trilha sonora criando o clima de suspense, a câmera acompanhando a movimentação dos vários personagens, como peças de um jogo de xadrez coreografado, onde a plasticidade dos movimentos irromperá em cenas violentas. A perseguição na estação de trens, filmada num único movimento de câmera, seguida pela cena nas escadas rolantes são sequências espetaculares e um dos grandes momentos da história do cinema. De Palma repete sua técnica empolgante, puxando a lembrança da cena antológica da escadaria em Os Intocáveis.

Nas cenas sensíveis seu talento também se faz presente, como quando Carlito e Gail flertam entre a fresta de uma porta semiaberta, segura apenas por uma pequena corrente que não resistirá à sedução que passa dos closes nos semblantes para o reflexo do corpo seminu de Gail num espelho estratégico.

Os cenários e a fotografia também são pontos altos. O Pagamento Final é um grande filme policial do tipo que quase não se vê mais. Representa, sem dúvida, uma realização marcante do cinema americano.

É impossível não se comover com a sinceridade de Carlito e sua luta contra a realidade que o agride. Mas a sociedade é um jogo de cartas marcadas. Não há redenção possível para o ex-presidiário. A criminalidade lhe persegue por todos os lados. Está instituída pelo próprio sistema de diferenciação de classes, pela distribuição de renda desigual e apelo da fortuna fácil pela via criminosa, atalho para as benesses reservadas para poucos. Nesse cenário não há esperança de migração dos guetos palcos de uma luta sem glória e sem futuro para o paraíso imaginário das Bahamas.

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